Um novo Museu do Ipiranga

O Estado de S. Paulo - São Paulo - Segunda-feira, 28 de fevereiro de 2005

seg, 28/02/2005 - 9h52 | Do Portal do Governo

Projeto premiado vai modernizar as exposições, dar cursos a professores e recuperar seu caráter educativo

Renata Cafardo

Um prêmio de R$ 300 mil vai permitir ao Museu do Ipiranga modernizar exposições e valorizar o caráter educativo de seu acervo histórico. Pesquisas da própria instituição indicam que o público – metade dele formado por estudantes – pouco entende das peças e telas expostas. O projeto de reformulação, premiado em dinheiro pela Caixa Econômica Federal e pelo Ministério da Cultura, inclui cursos para professores, terminais interativos, guias audiovisuais e folhetos explicativos ilustrados, práticas comuns em museus na Europa e nos Estados Unidos.

O dinheiro, que deve começar a ser repassado em março, equivale ao orçamento anual do Museu Paulista, mais conhecido como Museu do Ipiranga e mantido pela Universidade de São Paulo (USP). A modernização será feita inicialmente no andar térreo e na ala oeste, onde estão as imensas telas que retratam o período do descobrimento, da colonização portuguesa, da fundação de São Vicente e São Paulo. ‘São imagens que estão em todos os livros didáticos de história e muita gente entende que elas são um retrato, que foram pintadas naquela época’, diz o historiador Paulo Garcez Marins, responsável pela curadoria da nova exposição.

A idéia agora é a de, por meio da interatividade, de terminais capazes de dividir as telas em vários pedaços e explicá-los, deixar claro que elas foram feitas nos séculos 19 e 20 e que retratam, portanto, esse período histórico. ‘Elas foram pintadas numa época, por exemplo, em que estavam surgindo as rodovias e que era interessante aceitar a colonização. Por isso os índios são mostrados como se não tivessem reagido aos portugueses’, explica a diretora de acervo e curadoria Solange Ferraz de Lima. ‘Essas telas têm de ser pensadas como obras de arte.’

Nada disso, entretanto, se percebe hoje ao visitar o museu. A má interpretação se repete a cada sala. A responsável pelo setor educativo, Denise Peixoto, diz que a culpa da confusão não é da ignorância do visitante e sim da maneira pouco explicativa e atraente da exposição. Como parte inicial do projeto, a nova equipe – comandada pela diretora Eni de Mesquita Samara desde dezembro de 2003 – está preparando folhetos especiais para crianças. Também já estão prontas fichas temáticas para professores, com dicas para as atividades educativas, como definir previamente os objetivos da visita, pesquisar a história e discutir o conceito de museu.

‘Queria mais materiais com informações’, reclamava o estudante Renan Fernandes, de 18 anos, que visitou o museu na semana passada. Ele tinha nas mãos um folheto mal impresso, sem qualquer ilustração. ‘Parece que as coisas têm muito mais história do que está sendo mostrado’, completou Nicolas Bruno de Mateus, de 17, ao observar o Salão Nobre, onde está a famosa tela Independência ou Morte, de Pedro Américo.

Não se vê tudo em um dia

Nas oficinas para professores, Denise vai ensinar que para explorar o museu é preferível escolher um ou dois temas, como a história de São Paulo, a independência, hábitos e costumes ou urbanização. ‘Não tem de achar que vai mostrar o museu todo para as crianças em um dia.’ A ala reformada ganhará uma linha do tempo, para ajudar na contextualização histórica. A maquete de São Paulo em 1920 será dividida em pedaços, com narrações explicativas.

‘Museus são importantes para que os alunos se transportem para outra lógica, diferente da sala de aula’, diz a educadora da USP Silvia Colello. Segundo ela, no entanto, os professores ainda estão presos ao livro didático. ‘A tradição é de um saber produzido na teoria.’ Arthur Costa Neto, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), diz que é essencial que museus provoquem interação e questionamento, para estimular a criatividade da criança.

‘As pessoas não gostam de grandes mudanças no Museu Paulista, porque o visitaram na infância, lembram como era. Mas precisamos modernizá-lo’, diz a diretora Eni. Os guias em áudio serão em português, inglês e espanhol, uma reivindicação antiga dos turistas. As catracas da entrada serão trocadas. Ela garante que a reformulação começa assim que a verba chegar e termina em cerca de 15 meses. E a mudança será avaliada por meio de pesquisas com professores, alunos e público em geral. A intenção é – desde que apareçam parceiros dispostos a financiar – expandir o projeto para todas as alas. O Museu do Ipiranga é visitado por 300 mil pessoas por ano.

Números de 2004

  • 345 mil pessoas visitaram o Museu do Ipiranga em 2004; metade era de estudantes
  • 56% desse público eram mulheres; a maior parte dos visitantes tem entre 15 e 29 anos
  • 41% não pagaram a entrada, grátis no terceiro domingo do mês e para menores de 5 e maiores de 60 anos

    O Museu do Ipiranga

  • Quando: O Museu Paulista foi construído entre 1885 e 1890 com o apoio de políticos e empresários ligados a d. Pedro II e com a ajuda do povo, que comprava bilhetes de loteria para financiar a obra.
  • Por quê: A idéia era marcar o local onde teria ocorrido o grito do Ipiranga e glorificar a monarquia. No entanto, ele foi apropriado por republicanos, que o transformaram num museu de história natural.
  • Mudança: Durante a gestão de Afonso Taunay (1917-1945), seu perfil foi alterado e passou a ser um museu de história.