Toda a beleza da Oitava de Bruckner

O Estado de São Paulo - Quarta-feira, dia 7 de junho de 2006

qua, 07/06/2006 - 10h31 | Do Portal do Governo

Regida por Brogli, Osesp conseguiu transmitir o verdadeiro significado da peça: um ato de crença na vida

Neste momento, que outra orquestra brasileira, além da Osesp, teria condições de executar uma peça temível como a Sinfonia nº 8 em dó menor? Isso, por si só, dá um significado especial ao concerto de quinta-feira em que, regida pelo maestro Roman Brogli, a Osesp edificou, nota a nota, arco a arco, a grandiosa catedral que é a Oitava de Bruckner.

Não é uma obra fácil de assimilar: em seus mais de 80 minutos de duração, exige do público um nível de atenção a que muitos reagem achando tediosas as suas repetições de blocos sonoros de absoluto rigor arquitetônico (e não foram poucas as pessoas que se retiraram no meio da execução). Não é uma obra fácil de tocar – e houve deslizes pontuais, principalmente tratando-se da primeira apresentação (a sinfonia seria retomada nos concertos de sexta e sábado). Mas nada disso tem realmente importância, se considerarmos que Brogli e a Osesp conseguiram fazer chegar ao público aquilo que a Oitava realmente significa: um ato de crença na beleza da vida, da natureza, iluminada pelo fervor místico de um músico que dedicou toda a sua criação “ad majorem Dei gloriam”.

A execução cresceu gradualmente, do Allegro moderato inicial em diante, ampla forma de sonata a partir de três grupos temáticos, em que ainda havia alguns sinais ocasionais de hesitação. Já se tornou muito segura a partir do Scherzo, que faz alternar-se a alegria rítmica de tom popular com o profundo lirismo do trio, de tom às vezes misterioso. Mas o coração da sinfonia está em seu Adágio, e nele a execução de Brogli tocou o seu ponto culminante.

Foi bem respeitada pelo regente a menção “feierlich, langsam, doch nicht schleppend” (solene, lento, mas sem se arrastar). Havia intensa vibração interior na maneira como Brogli fez desenrolar-se a suntuosa tapeçaria que leva ao grande crescendo central (com a batida de pratos de efeito tão extraordinário que levou Bruckner, retroativamente, a aplicá-la também ao Adágio da Sétima). A doçura do primeiro tema, a forma mágica como as harpas emolduram o motivo do coral das cordas antes do triplo forte – estes foram momentos que fizeram do terceiro movimento o epicentro emotivo do concerto.

Mas quando parecia já se ter esgotado a carga de emoção, o tema fortíssimo, nas trompas e trombones, deu início a um Finale de incrível força, que recebeu da Osesp um tratamento soberbo. Extraordinária a coda, em que se conjugam, com toda a arte do contraponto do grande organista, os principais temas dos movimentos anteriores. Uma execução já muito boa que, nas suas reprises de sexta e do fim de semana, só tenderá a se refinar.