Talento para exportação

Folha de S. Paulo - Editorial

sex, 04/02/2011 - 8h00 | Do Portal do Governo

Marcelo Gleiser e Miguel Nicolelis são hoje, possivelmente, os cientistas brasileiros em atividade mais conhecidos do público. Gleiser atua no Dartmouth College; Nicolelis, na Universidade Duke.

Ambas universidades ficam nos EUA, em cujas instituições de pesquisa se estima que trabalhem três milhares de cientistas do Brasil. Não é um número tão impressionante, diante dos mais de 200 mil pesquisadores indianos no país.

O novo ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, destacou como prioridade de sua gestão atrair parte desse contingente de volta ao país, ou ao menos conseguir que produzam parcelas de seus estudos em território nacional. É um objetivo louvável.

Alguns dos maiores talentos aqui formados, pelo menos até o doutorado e quase sempre com bolsas de instituições públicas, terminam cooptados para fixar-se nos melhores laboratórios dos países desenvolvidos. Seu repatriamento contribuiria para oxigenar as pesquisas brasileiras.

Uma medida cogitada por Mercadante é criar uma “bolsa sanduíche” às avessas: em lugar de pagar para o pesquisador atuante no Brasil realizar parte de seu estudo num laboratório estrangeiro (modalidade usual da bolsa assim apelidada), a novidade remuneraria o brasileiro fixado no exterior para passar um período aqui.

Como existe muita disparidade entre as remunerações aqui e lá, é de prever que o expediente terá efeito limitado. Além disso, o deslocamento -mesmo que por poucos meses- pode afetar a produtividade do pesquisador, um desestímulo importante para quem trabalha num ambiente competitivo como o da ciência americana.

Outras iniciativas perseguem fins similares, como o Programa Jovem Pesquisador da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Também há ensaios para atrair estrangeiros e, com isso, fomentar redes internacionais de colaboração, cruciais na pesquisa contemporânea.

Todas elas, no entanto, tropeçarão nas limitações tradicionais do setor de pesquisa no Brasil. Os talentos científicos se deparam aqui com restrições a prestar serviços para empresas, obrigatoriedade de dar aulas e uma burocracia kafkiana para importar materiais e instrumentos. Sem equacionar tais gargalos, os objetivos modestos de Mercadante se arriscam a morrer na praia das intenções.