São Paulo: estado-comerciante

Gazeta Mercantil - Opinião - São Paulo - Quinta-feira, 10 de março de 2005

qui, 10/03/2005 - 11h20 | Do Portal do Governo

Marcos Troyjo (*)

Há quase 20 anos, Richard Rosecrance, teórico das relações internacionais, lançava seu ‘The Rise of the Trading State’. Escrito ainda nos estertores da guerra fria, argumentava que a globalização econômica em expansão faria com que Estados que privilegiassem sua inserção externa pela via comercial – e não pela via das armas ou da confrontação ideológica – estariam posicionados de maneira mais competitiva no século XXI. Nessas duas décadas, o ‘Estado-comerciante’ também mostrou-se superior, em termos de proporcionar desenvolvimento sustentado, ao modelo de ‘Estado-devedor’, que tantos latino-americanos, e dentre eles o Brasil, continuaram a adotar, principalmente com a hipertrofia da vulnerabilidade e do endividamento externos nos anos 90.

O conceito de ‘Estado-comerciante’ tem de fazer sentido não apenas para nações, mas também estados de uma Federação. Nessa direção, São Paulo – o governador Geraldo Alckmin e parcela importante do empresariado – dá passo importante com a missão que lidera nos EUA em visita a Washington, Nova York e Miami.

A missão de São Paulo nos EUA é muito bem-vinda. Dá-se no contexto de expansão tanto da liquidez como dos termos do comércio internacional. Não obstante os US$ 100 bilhões exportados em 2004 (sendo US$ 30 bilhões oriundos do Estado de São Paulo), nossa posição em quadro comparativo de exportadores dinâmicos com os países emergentes ainda é modesta. Como bem demonstrou Cristina Borges Guimarães em matéria publicada neste jornal no último dia 7, dados da Unicamp e do Ministério do Desenvolvimento revelam que México, com US$ 170 bilhões exportados, Coréia do Sul (US$ 201 bilhões) e China (US$ 436 bilhões) estiveram muito à frente de nosso esforço comercial. Ademais, como aponta o Iedi em seu ‘O Comércio Exterior Brasileiro em 2004’, crescemos nossas exportações em setores de baixo conteúdo tecnológico e ‘não-dinâmicos’ (siderúrgicos e commodities) da economia mundial.

Nesse contexto, é ainda mais importante a ênfase que o governador Alckmin deverá colocar junto a interlocutores norte-americanos e especialmente ao Conselho de Competitividade, em Washington, no programa de Parques Tecnológicos do Estado. A iniciativa chamará a atenção de parceiros e investidores para o potencial paulista na consolidação de núcleos ‘pesquisa-inovação-empresa’. Em apenas cinco anos, o País como um todo galgaria importantes posições no TAI (sigla em inglês que relaciona países a um ‘índice de êxito tecnológico’, mensurado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento -Pnud). Poderíamos dobrar nossos hubs tecnológicos, para além da cidade de São Paulo e Campinas, e incluir também São Carlos (nanotecnologia) e São José dos Campos (tecnologia aeroespacial), fazendo assim multiplicar a posição que hoje ocupamos no ‘Relatório de Desenvolvimento Humano’ da ONU.

Ainda que demasiado oportuna, a visita de um estado-líder como São Paulo aos EUA, neste molde inédito que mescla promoção comercial, atração de investimentos produtivos e exibição de capacidades tecnológicas, demorou muito para acontecer. Já há dez anos os EUA encontravam-se na curva ascendente do maior período de expansão econômica do segundo pós-guerra. Apenas um punhado de países, dentre eles o Brasil e sua paridade cambial sustentada por juros astronômicos, logrou o ‘êxito’ de manter balança comercial negativa com os EUA.

O protagonismo dos estados federativos na arena internacional tem de ser uma constante das políticas públicas e da parceria governo-sociedade. Ao compararmo-nos a outros países, vemos que, dos 50 estados americanos, cerca de 30 possuem representação comercial apenas na cidade de São Paulo. Na mesma medida, assistimos à agressividade com que a China organiza missões e escritórios comerciais de províncias em vários pontos do Brasil.

Ainda assim, qualquer demonstração da pujança de São Paulo como parceiro econômico-comercial impressionará os americanos. São Paulo tem o terceiro maior PIB da América Latina (atrás apenas do próprio Brasil e do México). Se fosse um estado americano, o produto paulista medido em termos de poder de paridade de compra faria de São Paulo um dos cinco maiores estados.

A inauguração do São Paulo Business Center no âmbito da Miami Free Zone será importante centro irradiador de oportunidades comerciais a partir da Flórida. É preciso mais. Como revela o perfil de nosso comércio exterior, o Brasil é um país majoritariamente ‘comprado’ (transações originadas pelas aquisições de megatradings), e não ‘vendido’ (resultado do esforço comercial de alianças entre governo e empresariado). São Paulo – e outros estados brasileiros – precisam de flagship offices em centros dinâmicos como Nova York, Chicago e Seattle, para não mencionar outros pontos na Europa, Ásia e América Latina.

São Paulo terá os recursos humanos necessários para essas empreitadas. À semelhança de outras áreas, é o estado brasileiro que mais forma profissionais de comércio exterior e relações internacionais. Cerca de 3 mil bacharéis a cada ano. Já os recursos financeiros têm de orientar-se no sentido de ‘exportar’ o modelo de parceria que constituiu o Centro de Logística da Exportação (Celex ), que em nada impacta tributariamente o paulista.

Certa vez, perguntado por que assaltava bancos, o legendário bandido americano Jesse James respondeu com simplicidade genial: ‘É lá onde está o dinheiro’. Com importações de cerca de US$ 1,8 trilhão ao ano, o mercado interno dos EUA é ‘a menina mais bonita’ do comércio internacional. São Paulo – e outros estados brasileiros – têm de aproveitar esse potencial.

(*) Marcos Troyjo é presidente internacional da Gazeta Mercantil e vice-presidente de Conteúdo & Projetos da Editora JB