Quando um rótulo pode fazer mal

O Estado de S. Paulo - São Paulo - Terça-feira, 15 de março de 2005

ter, 15/03/2005 - 9h35 | Do Portal do Governo

Muitas embalagens não trazem registro, data de fabricação ou composição dos ingredientes, segundo Vigilância Sanitária Estadual

Adriana Dias Lopes

Rótulo é coisa séria. É a identidade do produto. Mas nem todos o levam a sério e não é bem o consumidor o responsável pelo descaso. O último relatório bienal da Vigilância Estadual de Saúde sobre as condições dos alimentos à venda no Estado de São Paulo comprovou que 38% das 746 amostras de alimentos fiscalizadas tinham problemas. ‘Os mais comuns foram erros de informações nos rótulos’, avisa William Latorre, diretor de Alimentos do Centro de Vigilância Sanitária.

Entre as principais falhas dos rótulos registradas no relatório de 2003 e 2004 da Vigilância estão a falta de registro, de data de fabricação, endereço, da tabela de composição dos ingredientes e do símbolo que identifica se o produto tem soja transgênica. Das 24 amostras de produtos com soja transgênica na composição, por exemplo, 11 foram flagradas pela Vigilância sem a indicação de que tinham o ingrediente geneticamente modificado. Entre eles, farinhas, macarrão, salsicha e hambúrguer.

Mesmo depois da inspeção, ainda é difícil encontrar um produto com o T dentro de um triângulo amarelo, o logotipo do alimento transgênico. A Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia) resiste em usar o símbolo. O argumento é que ele é parecido com o sinal de alerta, o que pode transmitir para o consumidor um sentido de perigo. Pela legislação, produtos com mais de 1% de soja transgênica têm de ter o logotipo.

Todo alimento industrializado e embalado tem a obrigação legal de ter um rótulo. A exceção é quando o produto é vendido no mesmo lugar de fabricação. Pães e doces da padaria, por exemplo. A concessão é porque o consumidor pode tirar dúvidas com quem fez o produto. ‘Desconfie daqueles pães sem rótulos vendidos em supermercados, mesmo tendo a marca de padeiros europeus’, afirma Latorre.

A idéia dos órgãos de saúde é que o rótulo tenha todas as informações para uma eventual fiscalização. Mas, de alguns anos para cá, ganha força outra função, que é a de não deixar o consumidor com dúvidas sobre o produto. ‘A tendência é que a legislação preze informações cada vez mais claras para o consumidor’, diz Antônia Aquino, gerente de produtos especiais da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Uma das provas disso é que ela vai mudar a partir do ano que vem. Em 1º de agosto de 2006, todos os produtos serão obrigados a ter a tabela de dados nutricionais (hoje, só obrigatória nos alimentos chamados especiais, como diets, lights e infantis) e também os ingredientes em medidas caseiras. Além de 20 gramas de açúcar, por exemplo, as embalagens deverão trazer o correspondente a 1 colher (sopa) do alimento.

A legislação do rótulos é feita pela Anvisa. A fiscalização, pela própria Anvisa ou a Vigilância. ‘São Paulo tem um trabalho bienal, mas de modo geral não existe regularidade para as fiscalizações’, diz Maria Carolina Guimarães, engenheira de alimentos da Pro Teste, órgão do consumidor.

SAÚDE

Como deve ser um rótulo que satisfaça os órgãos de saúde, afinal? E quais os problemas que o consumidor pode ter por conta de um erro de informação na embalagem? ‘A falta do número do lote ou da data de fabricação, por exemplo, é só problema para a instituição fiscalizadora, já que sem eles é bem mais difícil rastrear um produto com defeito’, diz Maria Carolina, da Pro Teste.

A curto prazo, o que pode provocar maiores estragos à saúde é a falta de três informações: quantidade de carboidrato, se o produto tem glúten e o tipo de corante que leva. ‘Em relação ao carboidrato, o mais importante é a descrição da quantidade’, avisa Marise Tinoco, endocrinologista da Associação Brasileira de Endocrinologia. ‘Dificilmente um diabético vai ter problemas se consumir uma colher de chá de açúcar. Ele não precisa se privar de tudo. Mas a probabilidade de ter problemas é muito maior se a quantidade for equivalente a uma xícara, por exemplo.’ A maioria dos diabéticos não consegue metabolizar a glicose em excesso no organismo.

O glúten faz mal para quem tem uma doença chamada celíaca, que é uma deficiência do intestino delgado. ‘O portador tem as dobras da mucosa do intestino responsáveis pela absorção dos nutrientes achatadas, diminuindo sua capacidade de captação de alimentos’, explica Paulo Olzon, clínico geral da Universidade Federal de São Paulo. ‘O que provoca isso é uma proteína do glúten. Por isso, quem tem a doença não pode consumir nada da substância.’ Na prática, a conseqüência é que o organismo simplesmente não absorve nutrientes, tem diarréia crônica e até desnutrição.

O aditivo alimentar que mais causa alergia (inchaço no olho, na língua e alteração gastrointestinal) é o amarelo nº 5 tartrazyna, um dos corantes que dão cor amarela aos alimentos. ‘Cerca de 5% a 10% da população tem problemas com ele’, diz Hélio Schainberg, alergologista do Hospital Albert Einstein. ‘Os outros dois são o glutamato monossódico, que dá sabor, principalmente ao macarrão instantâneo, e o metabissulfito de sódio, um conservante de bebidas alcoólicas.’

De acordo com a Anvisa, o fabricante responde tanto pela qualidade do produto quanto pela elaboração do rótulo. ‘O responsável pode ser nutricionista, engenheiro de alimentos, químico ou o próprio dono do lugar, se ele for de pequeno porte’, conta Latorre, da Vigilância. Esse profissional pode tanto acompanhar a receita ou a elaboração do produto como trabalhar com amostras para chegar às informações do rótulo.

RESTAURANTES

A partir de hoje, a Anvisa pode punir empresas de alimentação, como restaurantes, padarias, lanchonetes, cantinas e cozinhas industriais, que não atenderem às chamadas ‘boas práticas’ sanitárias. De acordo com a nova lei (Resolução nº 216), instalações de preparo de alimentos devem ter, por exemplo, revestimento liso e impermeável e também lavatórios exclusivos para higiene das mãos na área de manipulação.