Pinacoteca mostra a força de Tarsila

Folha de S. Paulo – sábado, 19 de janeiro de 2008

sáb, 19/01/2008 - 16h21 | Do Portal do Governo

Folha de S. Paulo

A arte brasileira alcançou seus momentos de maior radicalidade graças às mulheres, pois “elas não dependiam da venda de suas produções, já que eram financiadas por seus pais ou maridos”, defendeu o crítico Tadeu Chiarelli, no artigo “Arte Brasileira ou Arte no Brasil”, publicado em 2002.

“Tarsila Viajante”, mostra que é inaugurada hoje na Pinacoteca do Estado, confirma a tese de Chiarelli de forma enfática. Mesmo vivendo por quase 90 anos, Tarsila do Amaral (1886-1973) teve seu momento produtivo mais relevante compactado em apenas 13 anos, de 1920 a 1933, período abordado pela mostra, quando dinheiro sobrava em sua família.

“Creio que a tese do Tadeu está correta, até porque a arte era das poucas áreas onde era aceito o trabalho da mulher”, diz Regina Teixeira de Barros, curadora da exposição, que antecede o lançamento do catálogo “raisonné” de Tarsila do Amaral -a reunião em livro de todas as suas obras, que sairá no segundo semestre.

Filha de fazendeiros milionários, a artista viveu no luxo e riqueza até 1929, quando a quebra da Bolsa de Nova York levou sua família à falência total.

A sobrevida artística até 1933 ocorre graças à venda de obras de sua coleção particular para uma viagem à União Soviética, que lhe propiciou a criação de obras de caráter social como “Operários” e “Segunda classe”, ambos daquele ano.

Esboços e pinturas

Dividida em seis módulos, a exposição apresenta uma significativa quantidade de esboços -são mais de cem- além de 36 pinturas. Na maior parte os desenhos são anotações de viagens, que posteriormente poderiam se tornar tema de pinturas. Num dos cadernos de viagens localizados durante a pesquisa para o catálogo “raisonné”, foi encontrada a foto de uma empregada da fazenda de Tarsila, com os braços na mesma posição de “A Negra” (1923), revelando-se a possível inspiração para a obra. De acordo com Aracy Amaral, a maior especialista na obra da artista e consultora do catálogo, “ela costumava fazer trabalhos a partir de fotografias; o famoso auto-retrato no qual aparece com grandes brincos, por exemplo, foi realizado assim”.

“A Negra”, aliás, aparece na Pinacoteca ao lado dos outros dois quadros mais famosos da artista, “Abaporu” (1928, que pertence à coleção Constantini, da Argentina) e “Antropofagia” (1929), constituindo-se no que Teixeira de Barros apelidou de “a santíssima trindade”. Sozinhos já valem a mostra.

A exposição, contudo, tem início nos módulos “Anos de Formação”, quando Tarsila estudou na França, entre 1920 e 1922, e “Ensaios Modernistas”, nesse momento já vivendo com Oswald de Andrade, e quando vai realizar sua primeira grande obra, justamente “A Negra”.

O terceiro e maior módulo, “O “Descobrimento” do Brasil”, retrata a chamada fase pau-brasil de Tarsila, quando passou a incorporar uma temática nacional de forma sistemática, a partir da viagem empreendida com o poeta franco-suíço Blaise Cendrars e os modernistas paulistas pelo Rio e as cidades históricas de Minas Gerais. Já o módulo “Viagem ao Oriente Médio” retrata um momento desconhecido da artista, quando empreende uma viagem pelo Egito, Grécia, Chipre, Israel, Turquia e Líbano, em 1925, realizando uma série de desenhos, até então inéditos, que, contudo, não irão inspirar outras obras.

“Brasil Mágico” traz a fase mais importante da artista, quando pinta “Abaporu”, em 1928, que vai inspirar o Manifesto Antropófago, de Oswald de Andrade, além de outras obras menos realistas.

“Aqui ela continua em busca de um Brasil, mas ele é mais atávico, simbólico”, afirma Teixeira de Barros. Finalmente, no sexto módulo da exposição, “Viagem à Rússia”, surgem as obras de caráter social, influenciadas pelo novo marido, o médico comunista Osório César. No curto período de 13 anos, poucos artistas conseguiram criar uma obra tão significativa.

 

TARSILA VIAJANTE

Onde: Pinacoteca do Estado (pça. da Luz, 2, SP, tel. 0/xx/11/3324-1000)

Quando: abertura hoje, às 11h; de ter. a dom., das 10h às 18h. Até 16/3

Quanto: R$ 4 (entrada franca aos sábados)