Pesquisa da Vigilância Sanitária mapeia alimentos de risco em SP

Folha de S. Paulo - São Paulo - Quinta-feira, 3 de março de 2005

qui, 03/03/2005 - 8h49 | Do Portal do Governo

Estudo constata alta taxa de irregularidades em produtos como morangos e doces industrializados

José Ernesto Credendio
Da Redação

Pesquisa da Vigilância Sanitária revela que estão em condições impróprias para consumo grande parte dos doces industrializados, queijos minas frescal, morangos e palmitos vendidos em bares, restaurantes, padarias e supermercados do Estado de São Paulo.

Durante dois anos (2003 e 2004), técnicos do CVS (Centro de Vigilância Sanitária) coletaram amostras de 23 produtos em 536 pontos-de-venda do Estado e as submeteram a análises em institutos especializados.

Das 736 amostras, 30% tinham irregularidades em padrões de composição, incluindo presença de bactérias, e rotulagem. Os principais problemas foram apontados no morango, no queijo, no palmito, nos doces e nos itens a base de soja.

O mesmo programa avaliou também as condições de pontos-de-venda de alimentos em todo o Estado (leia texto nesta página).

O estudo testou, em 2003, produtos que utilizam soja -em 46% deles não havia no rótulo a informação de que havia transgênicos na composição.

Foram considerados impróprios para consumo humano -por contaminação, excesso de agrotóxicos ou uso de aditivos proibidos para o produto- 63% do morango, 17,3% do palmito, 60% dos doces industrializados e 41% do queijo frescal.

Em relação ao palmito, o risco maior de consumir um produto irregular é o botulismo, uma doença mortal. Já o tipo de contaminação encontrado no queijo minas expõe o consumidor a doenças diarreicas.

A surpresa maior foi o nível de doces em que havia corantes proibidos. No relatório final do estudo, o CVS alerta que eles podem provocar reações alérgicas.

A Allergy & Environmental Sensitivity Support & Research Association of Australia (associação médica que reúne pesquisadores de alergias) diz que 90% dos casos de asma em crianças e 60% dos em adultos são provocados por alergias.

Para o caso dos doces, o CVS levanta a possibilidade de fraude, com o uso de corantes para mascarar a qualidade do produto.

Avanços

Segundo William Latorre -coordenador do comitê gestão do programa pelos órgãos ligados ao CVS-, de modo geral, vem melhorando qualidade dos alimentos à venda no Estado, mas ainda há problemas crônicos.

Latorre cita como exemplo o palmito – as amostras testadas estavam em locais que preparam alimentos – e morangos.

‘Estamos evoluindo, até porque as entidades de classe vêm realizando trabalhos para melhorar a qualidade’, diz.

As empresas e produtores irregulares foram notificadas, tiveram produtos apreendidos e receberam multas.

Sobre o uso de corantes em doces, a Adima (Associação da Indústria de Alimentos de Marília), cidade em que se concentra boa parte da produção nacional, diz que há diversos esforços e programas de qualidade para garantir a confiabilidade do produto.

‘Só não podemos ir lá na linha do fabricante controlar o que ele usa’, diz Daércio Galati Vieira, coordenador-executivo da associação de indústrias.

Já o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) cobra mais transparência da indústria em relação ao produto que põe à venda, afirma Murilo Diversi, biólogo da área de alimentos da ONG, baseada em São Paulo.

Churrascarias são reprovadas

As inspeções feitas em pontos-de-venda de comida do Estado apontaram falhas na manipulação de alimentos, problema detectado principalmente em churrascarias e hipermercados.

Nesse item, os técnicos avaliam fases do pré-preparo e do preparo dos alimentos, como seleção, higiene, congelamento, descongelamento e cozimento, assim como as condições dos funcionários.

O técnico observa, por exemplo, se o produto foi bem congelado e cozido. E também verifica se o funcionário usa roupas limpas, lava as mãos, entre outras coisas.

As líderes do ranking negativo são as churrascarias (40% de reprovações), seguidas por hipermercados (20%) e supermercados. Dos restaurantes, 15% não cumpriam as normas.

‘Há um esforço do setor e suas entidades de buscar mais qualidade. Há diversas iniciativas assim’, diz William Latorre, do CVS (Centro de Vigilância Sanitária).

Sem conhecer a pesquisa, Mário Fuchs, diretor de comunicação do Sinhores (sindicato que reúne hotéis, restaurantes e similares) de São Paulo, afirma que, além de buscar mais qualidade nos produtos, o setor alimentício vem tentando aprimorar a qualificação da mão-de-obra.

‘Promovemos cursos, fazemos convênios com entidades que oferecem aprimoramento. Os proprietários e gerentes têm ficado cada vez mais atentos a isso’, afirmou Fuchs.

Para ele, ainda há no que avançar em relação à qualidade no comércio de comida. ‘Não é só com o nosso setor, mas em muitas áreas no país’, relativiza.

Segundo ele, é preciso ter uma preocupação maior em todos os elos da cadeia de produção de alimentos no Brasil.

‘Começa desde quando um produtor de hortaliças nem verifica a água que usa na irrigação de sua horta. Muitas vezes, a contaminação se inicia ali.’

Lavagem retira 70% de resíduo

E possível reduzir em até 70% o volume de resíduos de agrotóxicos presentes na superfície no morango com cuidados na lavagem, afirma Jorge do Vale Oliveira, pesquisador científico do Ital (Instituto de Tecnologia de Alimentos), de Campinas (SP).

Mas a cultura ainda usa no país os chamados produtos sistêmicos (que são absorvidos pela seiva e impossível de ser retirados) proibidos, embora não haja um levantamento seguro dos volumes.

‘É claro que o morango contaminado está impróprio, mas é preciso entender que não é porque um alimento tem agrotóxico que ele vai ter um efeito imediato na saúde da pessoa’, diz Oliveira.

Segundo o pesquisador, a recomendação de uma limpeza minuciosa de produtos ”in natura’ vale para todos eles. ”A pessoa diminui os agrotóxicos e garante um alimento mais higienizado.’

Um fator a ser incluído ao mensurar os riscos é o consumo médio diário do alimento. Assim, é possível calcular quanto uma pessoa consome de tais elementos químicos tóxicos.

Já em relação a outros produtos, como o doce em que há um corante proibido para esse tipo de alimento, é impossível dizer se há nível seguro de consumo. O indicado é saber se a pessoa que o consome tem reações alérgicas ao tipo de corante usado.

No entanto, como os fabricantes -pelo menos em relação à maioria dos alimentos analisados pelo CVS- não declaram que usam o corante proibido, o mais seguro é evitar esses produtos.

Sobre o queijo minas frescal, o recomendado é verificar a origem e as condições da embalagem, já que ele é um alimento muito exposto a contaminações externas.

Um dos produtos mais perigosos é o palmito contaminado, que pode causar o botulismo, que mata. Além da origem, é preciso verificar se a lata está amassada ou se a tampa do vidro está lacrada