HC incorpora dor como sinal vital

O Estado de São Paulo - Quinta-feira, dia 8 de junho de 2006

qui, 08/06/2006 - 11h05 | Do Portal do Governo

Ela será medida junto com pressão, temperatura, pulso e freqüência respiratória em pós-operatório

Adriana Dias Lopes, Emilio Sant’Anna

A partir de 1º de julho, os 1.700 enfermeiros e auxiliares de enfermagem das 28 especialidades médicas do maior complexo de saúde da América Latina, o Hospital das Clínicas (HC) de São Paulo, passarão a acrescentar a dor como critério obrigatório de avaliação dos pacientes em recuperação cirúrgica – em 2005, foram 21 mil pós-operatórios. Assim, toda vez que verificar o pulso, a pressão, a freqüência respiratória e a temperatura, o profissional terá de avaliar como anda a dor do paciente. A dor passará a ser o quinto sinal vital.

Não é só o bem-estar do paciente o foco de atenção do hospital. “A dor atrapalha a recuperação do paciente. Ela tem de ser tratada, tanto quanto a doença”, diz Irimar de Paulo Posso, professor da disciplina de anestesiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e supervisor da equipe de Controle da Dor da Divisão de Anestesia do HC. Mais: segundo o anestesiologista, que está comandando de perto o treinamento das enfermeiras do HC nesta semana, a dor custa caro – ela é capaz de dobrar o tempo de internação do paciente.

A medição terá como base uma tabela usada internacionalmente, que classifica a dor de 0 a 10. Quanto maior o número, mais intensa ela é. “A avaliação conta com a queixa do paciente e com os sintomas clínicos”, exemplifica Waldemir Rezende, diretor-executivo do Instituto Central (ver acima). “Nos casos mais graves, como em pacientes na UTI, ela será avaliada de duas em duas horas. Nos menos graves, de quatro em quatro horas.”

Nos EUA, só os hospitais que usam o critério como avaliação clínica recebem certificação de qualidade. No Brasil, alguns hospitais privados de ponta usam a dor como o quinto sinal vital. O Albert Einstein, em São Paulo, por exemplo, faz o controle desde 1999. Em 2005, o hospital estendeu a forma de atendimento até aos pacientes que não são internados.

Assim como no HC, o protocolo usado no Albert Einstein segue as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS). De acordo com a coordenadora da Comissão de Tratamento da Dor do hospital, Ana Cláudia Quintana Arantes, a prática por enquanto não é comum. “Muitos pacientes não se queixam e muitos médicos ainda acham que isso é certo”, diz ela. “A dor não é normal e deve ser tratada assim que se manifesta.”

No início da implantação do programa, Ana Cláudia revela que enfrentou resistência. “A maioria dos médicos não tem formação para tratar a dor adequadamente”, diz. “A doença é mais fácil de ser avaliada, pois é universal. Com a dor é diferente, ela é individual.”

O Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, começou a treinar sua equipe em 1997. A idéia era alterar a dosagem de medicamentos baseada nos depoimentos dos pacientes sobre a dor. “A implantação só foi possível com o treinamento das enfermeiras e auxiliares”, diz o anestesiologista e coordenador do serviço de Dor, Maurício Nogueira.

Desde 2003, o Centro de Dor e Neurocirurgia Funcional do Hospital 9 de Julho, em São Paulo, que trata tanto a dor crônica como a dor aguda, ocupa todo um andar. Lá, as enfermeiras já passam por uma formação especial para saber identificar e lidar com os pacientes usando a dor como o quinto sinal vital, logo que são contratadas. “O tratamento da dor como sinal vital é uma medida básica que já deveria ter sido adotada há mais tempo”, afirma o coordenador do Centro de Dor do Hospital 9 de Julho, Cláudio Fernandes Corrêa.

Não há paciente que saia de uma cirurgia sem precisar de analgésicos. A anestesia hoje tem quatro principais componentes. Além de analgésicos, é feita de substâncias hipnóticas (que fazem o paciente dormir durante a operação), de relaxamento muscular (para evitar a contração muscular) e de amnésia (para não lembrar do que ocorreu na mesa cirúrgica). Os analgésicos são, na maioria das vezes, os últimos a serem cortados no pós-operatório.