Gene indica quem tem mais risco de desenvolver úlcera

Folha de São Paulo - Domingo, dia 25 de junho de 2006

dom, 25/06/2006 - 11h28 | Do Portal do Governo

Hoje, os pacientes com diagnóstico de úlcera devem ser tratados imediatamente

Estudo inédito no Brasil avaliou os genes da bactéria H. pylori e conseguiu definir aqueles com mais potencial para provocar a doença FERNANDA BASSETTE

DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de dois anos de estudos, pesquisadores do Hospital das Clínicas de São Paulo descobriram três importantes indicadores de risco de o paciente desenvolver úlcera. Os indicadores estão nos genes da bactéria Helicobacter pylori, causadora da doença. Com isso, a médio prazo, os médicos poderão decidir com mais clareza quais pacientes têm indicação de tratamento imediata.

Isso porque atualmente somente as pessoas com a úlcera já instalada no estômago são encaminhadas para tratamento. Ainda não há um consenso de abordagem clínica para as pessoas que têm a bactéria mas não possuem nenhuma lesão.

Os pesquisadores analisaram a carga genética de uma parte da bactéria H. pylori chamada “ilha cag”. É essa ilha que tem a capacidade de causar doenças como gastrite, úlcera e câncer no estômago.

O estudo -inédito no Brasil- foi coordenado pela patologista Rejane Mattar. Segundo ela, pelo menos 60% da população brasileira tem essa bactéria. “De 10% a 20% dessas pessoas vão desenvolver úlcera. Cerca de 1% terão câncer. Os demais podem ficar com a bactéria e não ter sintomas durante anos. Não é possível tratar todo mundo”, disse Rejane.

O tratamento dura cerca de dez dias e inclui o uso de dois antibióticos e um inibidor de bomba de próton (que diminui a acidez do estômago).

Os marcadores

Foram estudadas cepas da H. pylori presentes em 215 pacientes: 150 com úlcera e 65 que não tinham lesão.

Rejane separou a ilha cag e, por meio de um exame de biologia molecular, estudou os genes separadamente. “As cepas dos pacientes com úlcera tinham mais genes da ilha cag do que as cepas dos pacientes com endoscopia normal”, afirmou.

Segundo o estudo, pacientes que carregam a bactéria com o gene cagT têm 27 vezes mais risco de ter úlcera. Já os que têm a bactéria com o gene cagM têm o risco aumentado em oito vezes, seguidos das pessoas com bactéria que tem o gene cagA, que têm 4,2 vezes mais chances de ter úlcera.

O dado que mais chama a atenção, segundo Rejane, é que 98% dos 150 pacientes com úlcera tinham a bactéria com o gene cagT. Entre os pacientes que não tinham lesão, 58% também tinham a bactéria com esse gene. “Essas pessoas, que num primeiro momento não seriam tratadas porque ainda não têm lesão, têm indicação de tratamento imediato.”

Para a médica patologista Dulciene Maria de Magalhães Queiroz -especialista em H. pylori -, chefe do laboratório de Pesquisas em Bacteriologia da Universidade Federal de Minas Gerais, o resultado do estudo é um avanço.

“Encontrar marcadores de risco do H. pylori é a busca de todos os pesquisadores. Isso para o Brasil é fundamental porque, no norte do país, por exemplo, temos 90% das pessoas infectadas e não é possível tratar todo mundo.”

A única ponderação de Dulciene é que os marcadores de risco não são “verdade absoluta”. “Como tudo na medicina, nada garante que se eu tratar os pacientes com base nesses marcadores eles nunca mais terão a doença”, disse. “Mas é um avanço, sem dúvida.”