Exagero ambiental

O Estado de S. Paulo

ter, 28/07/2009 - 8h33 | Do Portal do Governo

Como se alimentam as plantas? Básica na ecologia, a pergunta remete a um processo fundamental da vida: a fotossíntese. Esta não funciona, porém, sem água e elementos químicos, absorvidos pela raiz das plantas. Princípio da nutrição vegetal.

Os primeiros relatos da agricultura datam, aproximadamente, de 10 mil anos. Ao produzir seu próprio alimento, a espécie humana supera a dependência animalesca da coleta florestal, da caça e pesca, permitindo o sedentarismo. Passo decisivo da humanidade.

No delta dos grandes rios surgem os cultivos de cereais. Por quê? Acontece que ali, nas várzeas inundadas, o solo se enriquece com sedimentos orgânicos trazidos pelas enchentes anuais. Assim, a civilização nasceu próxima à foz dos Rios Tigres e Eufrates, na antiga Mesopotâmia, ou no vale do Rio Amarelo (Huang He), na China. O Egito de Cleópatra não existiria sem o Rio Nilo.

Primordialmente, a adubação das plantas era natural, quer dizer, dependia da matéria orgânica e dos elementos químicos já depositados no solo. Até hoje tal primitivismo agrícola se pratica alhures. Ao derrubar uma floresta, os agricultores deitam nela a semente para aproveitar a terra “gorda”, aquela rica mistura de folhas e galhos secularmente decompostos, chamada serrapilheira. Insetos, animais microscópicos, bactérias e fungos se alimentam da celulose armazenada nos vegetais, excretando húmus. Reino das minhocas.

Com poucos anos de cultivo, todavia, as raízes das plantas sugam da terra a riqueza acumulada. Por isso, fora das várzeas a agricultura original se mostrava itinerante, deixando para trás áreas em pousio. Com a supressão contínua das florestas, surge a necessidade de repor no solo o nutriente retirado nas colheitas. Vinga a técnica da adubação.

Desde a Antiguidade se conhecem vários produtos e resíduos utilizados na nutrição de plantas. Cinzas, restos de peixes, rochas moídas, fezes humanas, tudo se buscava aproveitar naquele tempo de incipiente sobrevivência humana. O progresso na domesticação dos animais revela o melhor de todos os adubos: o esterco bovino. Abundante, rico, o excremento faz do gado importante aliado na produção de alimentos. Fora o leite e a carne.

No século 19, descobertas de sedimentos nas ilhas do Pacífico ficaram conhecidas como adubos de guano. Ricas em nitrogênio e fosfato, camadas com até 30 metros de espessura se formaram em milhares de anos de acúmulo de fezes de pássaros e morcegos. Nova fonte de fertilizantes orgânicos.

Como os Corpos Minerais se Relacionam com os Corpos Vegetais, título da tese de doutorado publicada, em 1822, pelo jovem cientista alemão Justus von Leibig, a descoberta inicia a moderna agronomia. Leibig prova que as plantas crescem em função dos elementos químicos liberados no solo, e não, conforme então se supunha, por “comerem” a matéria orgânica. Começa a era dos fertilizantes artificiais. Vai imperar o NPK.

Os avanços da ciência agronômica permitiram, por fim, chegar à hidroponia, a mais recente fronteira da quimificação agrícola. Nessa forma de produção, apropriada para hortaliças, até a terra se dispensa, substituída pela água fertilizada em bandejas, suspensas nas estufas. Nem Leibig acreditaria.

Curioso é o mundo dos homens. A quimificação da agricultura provocou, desde seu início, reações em defesa da agricultura tradicional, de natureza orgânica. Várias correntes se instalam. Rudolf Steiner formula a biodinâmica em 1924. Em 1935, Mokiti Okada traça a agricultura natural. Renegam a química (incluindo agrotóxicos) e valorizam o húmus do solo, misturando filosofia com agronomia. Dá certo.

No drama contemporâneo do aquecimento global, dois gases se mostram perigosos: o dióxido de carbono (CO2) e o metano, 21 vezes mais poderoso. O primeiro é sequestrado no processo da fotossíntese, liberando, em contrapartida, o oxigênio. Plantar árvores, portanto, ou cultivar qualquer vegetal, imobiliza carbono nas folhas, nos ramos e na madeira. Prosa ambiental positiva no campo.

Sobre o metano, porém, a conversa anda negativa. Originado a partir da fermentação orgânica, seu cheiro pode impregnar-se nas várzeas onde, por exemplo, se irriga arroz. Os rebanhos bovinos, por sua vez, expelem-no nos arrotos que brotam da ruminação. No confinamento animal, ademais, dejetos orgânicos podem-se acumular no solo, liberando o fétido gás. Por essas e outras, há gente achando que, no combate ao efeito estufa, dever-se-ia impedir o arroz irrigado e aniquilar a boiada. Um exagero ambiental.

É certo que na flatulência se expele metano. O fenômeno, aliás, não é exclusivo do gado, atingindo também os humanos. Fazer o quê, proibir? O fenômeno depende da alimentação. Na bovinocultura tropical o pastoreio livre ameniza o problema dos gases gerados no rúmen. Trata-se de uma vantagem do gado nacional, mais ecológico que a boiada estrangeira, estabulada no cocho. Ponto para o Nelore.

Soam esquisitos alguns cálculos que os ideólogos urbanos apresentam, punindo o campo. Parecem querer rasgar a História da Civilização. Ultimamente alardeiam que se gastam 15 mil litros de água para cada quilo de carne produzida. Puro engodo. Para ser verdade a conta supõe que o gado nunca urine. E na natureza, ensinava Lavoisier, “nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Inclusive o xixi, reciclado.

Contra mudanças climáticas, sobra lição de casa para todos. A agricultura não escapará dessa tarefa. Soa estranho, porém, querer torná-la vilã do problema ambiental. Excluindo o horror do desmatamento e o calor das queimadas, a crise ecológica se gera na cidade. Agricultura, não, nela se produz comida. Bem adubada.

Xico Graziano é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo