Equilíbrio, cor e leveza, é James Ehnes com a Osesp

O Estado de S.Paulo - Quarta-feira, 31 de outubro de 2007

qua, 31/10/2007 - 16h26 | Do Portal do Governo

O Estado de S.Paulo

Com seu ritmos requebrados, de inspiração tropical, o balé Le Boeuf Sur le Toit é fruto dos anos passados por Darius Milhaud no Rio, como adido da legação diplomática de que o embaixador era o poeta Paul Claudel. A fantasia para violino solista, adaptada dessa partitura, ofereceu viva e colorida porta de entrada para a apresentação de James Ehnes com a Osesp, na quinta-feira.

Mas as qualidades do violinista canadense realmente se evidenciaram desde a longa introdução solista, Lento quasi una cadenza, ora sensual, ora agressiva, da rapsódia de concerto Tzigane, de Ravel. Com o aquático tema anunciado pela harpa, uniu-se a ele a orquestra, conduzida por John Neschling com uma rara leveza de mão, ressaltando as transparências quase camerísticas dessa fantasia impregnada de ritmos húngaros, à maneira de Béla Bartók.

Usando um Stradivarius de 1715, Ehnes – que vai gravar com a Osesp o concerto para violino de Tchaikóvski – resolveu as inúmeras dificuldades técnicas que Ravel semeia no caminho do solista, e levou a Tzigane a seu esfuziante final. Também do extra, o Allegro assai da terceira sonata de Bach para violino-solo, Ehnes fez uma execução extremamente viva e rica em oposições melódicas e harmônicas.

Depois disso, Neschling realizou, na segunda parte, uma excelente execução de Manfred op. 58, no qual Tchaikóvski, partindo do poema narrativo de lorde Byron, aplica a formula de sinfonia/poema sinfônico proposta pelo Berlioz da Fantástica e pelo Liszt da Sinfonia Fausto. Integrando bem as seqüências do longo primeiro movimento – o sombrio Lento lúgubre inicial; a doçura do Andante que evoca a figura de Astarté, a mulher amada e perdida; e a solenidade da coda sobre o primeiro dos temas relacionados com o herói – Neschling o fez contrastar com a leveza do scherzo Vivace, de grande virtuosismo para as cordas, em que surge, no arco-íris produzido por uma cascata, a aparição da fada dos Alpes.

Embora não possua o nível de inspiração melódica comum em Tchaikóvski, Manfred tem, na Pastoral, uma grande romança orquestral, que a orquestra executou com delicadeza, preparando o outro grande painel, o do movimento final. Aqui também, no interior da tumultuada cena de bacanal no palácio subterrâneo do demônio Ahriman, que inclui uma tensa seção fugada, desenhou-se com refinamento o episódio lírico da aparição redentora da sombra de Astarté, que culmina na entrada do órgão. Com o final sereno e apaziguado que assinala o perdão e a morte do herói, a Orquestra Estadual encerrou a peça, fechando em ótima forma um dos concertos mais equilibrados do ano.