Empresa é acusada de fraudar pregão eletrônico

O Estado de S.Paulo - Sexta-feira, 31 de outubro de 2008

sex, 31/10/2008 - 11h35 | Do Portal do Governo

O Estado de S.Paulo

A máfia acusada de fraudar licitações na área da saúde teria se infiltrado até nos pregões eletrônicos do governo estadual. O indício mais nítido de manipulação do resultado do certame foi obtido pelos auditores da Secretaria da Fazenda em uma oferta para a compra de soro (cloreto de sódio a 0,9%) feita pelo Hospital Pérola Byington, centro de referência em saúde da mulher na capital paulista, em setembro do ano passado. A Halex Istar venceu a licitação com um preço 408% superior ao menor lance. A suspeita é de que pregoeiros e funcionários de hospitais recebessem propina para favorecer determinadas empresas.

As negociações começavam antes mesmo do anúncio dos pregões. Emissários de indústrias de insumos hospitalares e representantes comerciais procuravam os servidores públicos e acertavam valores e o resultado das licitações. Numa segunda fase, cada um dos interessados oferecia seus preços. No caso do Pérola Byington, por exemplo, seis distribuidores participaram do certame investigado pela Operação Parasitas. A Cirúrgica São José, revendedora de produtos da Fresenius, apresentou o menor preço – R$ 1,22 por unidade. Outras cinco empresas, todas distribuidoras de insumos da Halex Istar, ofertaram valores que variavam de R$ 2,49 a R$ 4,99.

Era na fase de apresentação de recursos que o pregoeiro começava a agir a favor do esquema. De uma só vez, as três primeiras colocadas foram eliminadas da disputa. A alegação foi de que tinham cotado produtos em desconformidade com o edital. Na etapa seguinte, de julgamento, outras duas “concorrentes” foram desclassificadas por desistência. A Halex Istar acabou homologada como vencedora do pregão, mesmo tendo oferecido o maior preço. “Como a maioria das distribuidoras pertencia à fabricante, ela na verdade concorria com ela mesma”, explicou o promotor José Reinaldo Guimarães Carneiro, do Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) da capital.

Os indícios coletados pelos auditores estaduais são reforçados pelas interceptações telefônicas feitas ao longo de 11 meses pela Unidade de Inteligência Policial (UIP) do Departamento de Polícia Judiciária da Capital (Decap). Em conversa gravada às 9h30 do dia 18 de junho deste ano, Vanessa Favero, supervisora da Vida?s Med, uma das empresas suspeitas de participar das fraudes, combina com um pregoeiro identificado como João o resultado da licitação. “Ó… me diga uma coisa… me liga quando tiver andando o pregão e me avisa qual é o seu código”, diz o funcionário público. “Mas você vai estar lá, não é chato ligar no seu celular?”, questiona Vanessa. “Pode ligar no meu celular, todo mundo liga no meu celular”, diz João.

CÓDIGO

Para não levantar suspeitas, integrantes da quadrilha falavam por códigos com os pregoeiros. Em 21 de julho, às 12h01, Vanessa conversa com uma mulher identificada como Daiane. Ela explica que, ao falar com o funcionário público, era para dizer: “Bom dia, como vai, seu pregoeiro?” Essa era a senha para que ele identificasse a empresa e desse “uma força”. A polícia e o Ministério Público Estadual também têm provas de que o esquema agia em diversos municípios do interior paulista, do Rio e de Minas. A lavagem do dinheiro obtido de forma ilícita era feita em offshores, abertas no exterior em nome de laranjas.

GRAMPOS Desclassificação dos concorrentes

Em ligação interceptada às 12h48 do dia 29/5/2008, Carlos Alberto Amaral, o Papito, representante comercial da Vida?s Med, conversa com a supervisora da empresa, Vanessa Favero, sobre suposta tentativa de desclassificar seus concorrentes do pregão.

Papito – Depois a gente vai ter que fazer alguma coisa para poder falar o que a Ziran ainda vai fazer. Porque desclassificados os caras já tão, né? Mas agora tem que dar embasamento para eles.

Vanessa – É, a gente vai ter que procurar o que falar, né? Pelo que eu vi no catálogo deles, é igualzinho o nosso.

Interferência no pregão eletrônico

No dia 18/6/2008, às 9h30, a supervisora da empresa Vida?s Med, Vanessa Favero, conversa com João, pregoeiro de um hospital público da capital, para interferir no resultado do certame

João – Ó… me diga uma coisa… me liga quando tiver andando o pregão e me avisa qual é o seu código.

Vanessa – Tem como?

João – Pra eu saber qual… quem é você. Liga no meu celular quando começar o pregão; você vai ter uma identificação.

Vanessa – Mas você vai estar lá, não é chato ligar no seu celular?

João – Pode ligar no meu celular, todo mundo liga no meu celular…

Vanessa – Tá bom, então tá bom.

João – Me liga e me avisa quem é você, qual o seu número.

Vanessa – Beleza!

João – Tá bom?

Vanessa – Tá bom, então. Beijinho, viu. Tchau, tchau!

Produto de qualidade inferior

Papito: Oi!

Supervisor: Oi, Papito, bom dia! A Taís vai te passar um fax. E eu tô achando que essas informações que a gente entregou através da Drug (empresa parceira) por um ano… Aqueles equipos chinês vagabundo, aí deu reclamação. Não deu tanto quanto eu achei que fosse dar, mas deu reclamação. E a uma certa altura do campeonato a gente parou, não forneceu mais o chinês. Eu fui lá, expliquei para “Mitiko”, expliquei pro “Teoni”… Só não falei que era chinês, pelo amor de Deus!

Atuação nas prefeituras

1 – Paulínia

Sócio – Oi, Flávia!

Flávia Maria Palaveri Machado (advogada) – Oi, tudo bem?

Sócio – Tudo, e você?

Flávia – Tudo bem, bom dia.

Sócio – Bom dia.

Flávia – Deixa eu te falar… falei agora cedo com a Carol… é… lá de Paulínia, ela teve com o prefeito…

Sócio – Então, quer dizer, seria uns dois milhões e duzentos.

Flávia – Dois e trezentos ela falou. É mais mais ou menos dois e trezentos.

Sócio – Você acha que até o fim da semana a gente recebe isso aí de Paulínia?

Flávia – Isso…

2 – Mauá

Papito – Fala tio.

Pessoa não identificada – Papito, acabei de falar com o secretário de Finanças e ele teve com o prefeito, pegou um monte de outros cheques, porque o prefeito tava fora a semana passada… inclusive o nosso. Antes do almoço ele já deixou pro povo mandar pra banco. Então hoje é com certeza.

Papito – Eu tava vendo aqui a conta de Mauá, meu, quatro milha bateu agora.

3 – Marília

Renato Pereira Jr. – Outra coisa, a gente vai fechar Jacareí, que é na quinta-feira. Tá saindo um outro edital nosso em Marília, que é rápido também. Uma questão pra começar e encerrar brincando em agosto. Tem penitenciária rodando… Eles tão com uma licitação grande lá, assim que acabar essa licitação eles colocam a nossa na rua. (…) Eles querem que a gente faça também na área escolar, os ambulatórios das escolas municipais…

Paioli – Ah, legal

Renato Pereira Jr. – E vamos tacar esse de Marília aí, que Marília é melzinho na chupeta, viu tio?

Paioli – É mesmo?

Renato Pereira Jr. – Ia dar um milhãozinho e cem, eu mandei aumentar para um e trezentos

Laranjas

Conversa entre o motorista Maurício do Nascimento Silva, procurador em uma das offshores da Velox, e o sócio de fato da empresa, Renato Pereira Júnior. Ligação feita às 14h28 do dia 7/7/2008

Maurício – Oi, dr. Renato. Bom dia; boa tarde, aliás.

Renato – Que tá pegando?

Maurício – Eu estou na Velox, dr. Renato.

Renato – Fazendo o que aí?

Maurício – Fui solicitado, dr. Renato.

Renato – Tá, mas desde que horas você está aí e pra fazer o quê?

Maurício – Acabei de chegar, acabei de sair do banco.

Renato – Se acabou de chegar é para acabar de sair. Assina o que tem que assinar e vai embora logo.

Maurício – Sim senhor, dr. Renato. Tô indo para a Home Care daqui, tá?

Renato – Chegando na Home Care me chama.

Maurício – Sim, senhor, comandante!

Offshores

Ligação interceptada às 16h24 do dia 7/7/2008. Conversa entre Renato Pereira Júnior, sócio das empresas Velox e Home Care, e sua ex-mulher, Leda Batistela.

Renato – Leda, primeiro que eu tô fazendo o seguinte: tirei a River (offshore) da Home Care e coloquei o Fábio (Fábio Pereira Júnior, seu filho). Agora, está sendo aberta uma empresa de participações. Está sendo transformada a Home Care em S.A. Depois eu vou montar o quê? Empresa de participações. É eu, você e o Paioli (sócio). Essa empresa, eu vou pegar tudo o que tem de patrimônio quitado e vou jogando nela. Com a empresa de participações não, por quê? Eu não tenho nada, você não tem nada. A vantagem é essa, entendeu?

Leda – Hã… hã, mas a River tem o quê, 15%?

Renato – É, Dedé. Fica falando bastante essas coisas no telefone até a hora que a gente for preso e pegarem tudo, entendeu? Continua falando, vai.