Em 6 meses da Lei Maria da Penha, o número de denúncias cai 18,8%

Estado de S.Paulo - Segunda-feira, 28 de maio de 2007

seg, 28/05/2007 - 14h14 | Do Portal do Governo

Estado de S.Paulo

O número de denúncias por lesão corporal nas Delegacias da Mulher do Estado de São Paulo caiu 18,8% durante os seis primeiros meses da Lei Maria da Penha. Segundo especialistas em violência doméstica, a explicação para o fenômeno está na história da mulher que emprestou o nome à nova legislação, promulgada em setembro do ano passado, com medidas mais duras aos agressores.

Medo e esperança de que o marido mudasse eram as razões citadas pela professora universitária cearense Maria da Penha Maia para resistir em denunciar o ex-marido, Marco Antônio Herredia. Em 1983, ela escapou duas vezes de ser morta. Na primeira, com um tiro. Na segunda, com choques elétricos e afogamento. Maria ficou paraplégica. O caso ganhou repercussão internacional.

“A divulgação de que a lei ficou mais rígida – agora o agressor pode ser preso – acabou surtindo efeito negativo”, pondera a delegada Márcia Buccelli Salgado, responsável pela Coordenadoria das Delegacias de Defesa da Mulher do Estado de São Paulo. “Não posso afiançar pesquisas, mas a impressão é de que a possibilidade de prender o marido fez a vítima pensar duas vezes antes de registrar a queixa”, afirma.

A queda no número de denúncias foi registrada no período de outubro do ano passado a março deste ano, quando foram registrados 132.649 boletins de ocorrência. Entre outubro de 2005 e março de 2006, foram 163.441 (veja quadro à direita). Das 307 Delegacias da Mulher criadas até o início deste ano no País, 125 (ou 40,7%) ficam no Estado de São Paulo.

Na primeira Delegacia da Mulher do Brasil, de 1985, localizada no Parque d. Pedro 2º, centro de São Paulo, a vendedora Vanessa (nome fictício), de 30 anos, decidiu, na sexta-feira passada, denunciar o marido. Em dez anos de casamento, Vanessa conta ter suportado tudo: traições, mentiras, noitadas, ciúme doentio. Há dois anos, após uma discussão rotineira, ele a esbofeteou e chutou a sua canela. Vanessa não o denunciou.

Ela morava de favor com a sogra por causa da filha de 9 anos. “É tanta coisa que pesa na hora de tomar uma decisão dessas”, disse Vanessa, enquanto esperava atendimento. O marido trabalha como segurança e, contou, toma injeções periódicas de anabolizantes. Ela acha que isso fez aumentar a agressividade dele.

Na terça-feira passada, o marido tentou agredi-la na porta da empresa onde trabalha, no Brás, zona leste de São Paulo. “O escândalo foi a gota d’água.” O segurança a acusava de manter um caso com o cunhado, marido da irmã. “Ele parou a rua.”

Atrás da vendedora, a costureira boliviana Benedita, de 37 anos, exibe caroços na cabeça e um hematoma perto do olho, frutos da agressão do marido. Ela também decidiu denunciá-lo e sairia de lá direto para um abrigo de mulheres vítimas de violência doméstica.

Benedita não sabe falar direito português nem espanhol. Conta ter vivido fechada, nos últimos seis anos, em uma confecção no Brás, falando em aimará, uma das línguas indígenas oficiais da Bolívia. O marido, de 25 anos, chefiava a equipe de costureiras. É ele quem negocia com os proprietários da indústria, coreanos. “Ele não me deixava falar com eles, com medo que eu contasse a verdade. Dizia para eu ir embora porque tinha mulheres mais bonitas do que eu para ficar com ele”, contou a costureira, com um filho de 1 ano nos braços, fruto da união. O marido, porém, considerava-se casado também com as outras companheiras de trabalho.

“Ele me batia de soco, chutava a minha cabeça”, disse Benedita, pedindo que conferisse os caroços escondidos sob o cabelo grosso. Ela contou estar esperançosa com o abrigo e com a oferta de emprego que recebeu, para ser auxiliar de cozinha.

Recém-empossada, a delegada-titular da 1ª Delegacia de Defesa da Mulher, Celi Paulino Carvalho, ironiza a queda dos números de denúncia. “Quem vê pensa que a violência diminuiu. Mas a verdade é que piorou. A possibilidade de não poder retirar mais a denúncia e o risco de ter até de pagar a fiança do próprio bolso – afinal, muitas maridos não têm outro parente a não ser suas vítimas – podem ter influenciado nisso”, concluiu.