Cérebros de laboratório

Folha de São Paulo - Quarta-feira, dia 28 de junho de 2006

qua, 28/06/2006 - 10h29 | Do Portal do Governo

GILBERTO DIMENSTEIN

Pró-reitora de pesquisa, Mayana Zatz quer abrir os laboratórios da USP para alunos da rede estadual

UMA DAS mais importantes pesquisadoras de genética no país, a bióloga Mayana Zatz é uma espécie em extinção. Estudou em escola pública, não fez cursinho pré-vestibular e conseguiu ingressar, com boa colocação, na Universidade de São Paulo. Agregou ao seu currículo mestrado, doutorado e pós-doutorado nos EUA. A combinação de história de sucesso na rede pública e a condição de cientista está levando Mayana a mexer, em laboratório, o cérebro de adolescentes e fazê-los melhores alunos.

Além de tentar destrinchar os segredos das células-tronco embrionárias -uma chave para a descoberta de novos tratamentos para uma série de doenças-, Mayana integra um grupo de acadêmicos que está inventando um jeito de ajudar alunos mais pobres a enfrentar o vestibular. “Estou convencida de que a universidade tem meios mais eficazes de incluir os mais pobres sem recorrer às cotas.” As cotas, diz ela, não premiariam o mérito -um debate que se dissemina em todo o país.

 Pró-reitora de pesquisa da USP, Mayana quer abrir todos os laboratórios da universidade para receber estudantes das escolas estaduais, acompanhados por tutores. Assim, conheceriam os passos necessários para as descobertas e aprofundariam sua visão sobre o aprendizado no geral. “Assim, vamos mostrar o encanto das ciências.” Os sofisticados laboratórios, com seus ratos, motores, líquidos coloridos de composições químicas ou sementes, seriam uma extensão de suas escolas.

Não é um projeto isolado. Está em elaboração na USP um plano para aumentar a proporção de alunos da rede pública entre os aprovados no vestibular. Uma das sugestões é um teste em cada série do ensino médio para detectar os mais talentosos e esforçados que, uma vez formados, teriam um bônus que agregaria pontos no vestibular. Pesquisas da Unicamp revelaram que a maioria dos seus alunos beneficiados por uma pontuação diferenciada demonstraram, com o tempo, desempenho similar e até superior aos dos demais.

A explicação para esse desempenho é simples: os beneficiados, além de talentosos, desenvolveram uma garra e sabem quanto vale a chance de entrar numa universidade pública. “Cresci ouvindo na minha família que, sem preparo, nunca iríamos longe”, conta Mayana, filha de imigrantes que chegaram ao Brasil sem falar português e com poucos recursos materiais. Esse mantra, segundo ela, deveria ser repetido em todo o país. “Isso quer dizer que a universidade deveria fazer mais do que tem feito por sua comunidade.”

Há um debate, na USP, sobre como uma universidade deveria apoiar mais a rede pública. Abrir os laboratórios é um desses estímulos para o aprendizado de ciências e a introdução no rigor acadêmico. “Aprendi o que representa para um estudante ir além dos livros e das teorias, testemunhando o funcionamento de laboratório e o trabalho dos cientistas.”

Se bem-sucedida essa experiência, os laboratórios da USP produzirão uma volta no tempo -o tempo em que alunos de colégios públicos, como Mayana, sentiam-se em condição de competir de igual para igual com os estudantes mais ricos.