Campos amplia participação feminina

O Estado de S.Paulo - Sexta-feira, 6 de julho de 2007

sex, 06/07/2007 - 12h20 | Do Portal do Governo

O Estado de S.Paulo

Veja a programação completa do Festival de Campos

Quando foi pedir conselhos profissionais de um dos diretores da Filarmônica de Nova York, nos anos 70, a maestrina Eve Queler conseguiu uma resposta bastante direta: ‘Esqueça isso. Há compositores, como Brahms e Mahler, que não podem ser regidos por uma mulher.’ A história já virou anedota mas é bastante significativa do machismo que sempre fez parte do mundo da música clássica. Hora, portanto, de corrigir os erros do passado, garante o maestro Roberto Minczuk, e assumir que as mulheres ocupam um espaço cada vez mais na área. Então, por que não dedicar toda uma programação a elas? É o que faz a edição deste ano do Festival de Inverno de Campos do Jordão – dr. Luís Arrobas Martins, que começa amanhã com concerto da Osesp no Auditório Claudio Santoro.

‘A idéia surgiu da observação de um cenário que mudou muito nos últimos anos. O mundo da música clássica sempre foi muito conservador, acho até que é o mais conservador entre todas as artes’, diz Minczuk. ‘Mas as últimas décadas têm trazido novas tendências, estávamos sufocados por todo esse conservadorismo e, hoje, já nos sentimos mais abertos. Isso a gente percebe no diálogo entre a música clássica e a produção popular, na maior liberdade que marca a atuação dos compositores ou mesmo na quantidade de programas educacionais que têm como objetivo atrair novas platéias. Acredito que o sinal mais evidente dessa mudança é a presença cada vez maior das mulheres, até mesmo em campos antes tidos como exclusivamente masculinos, como a regência, os instrumentos de metal ou a música de câmara’, completa o maestro.

E como passar esse conceito para a programação? Minczuk contabiliza cerca de 500 mulheres na programação, entre solistas, integrantes de orquestras, professoras e alunas. Resolveu homenagear três grandes artistas brasileiras: a pianista Guiomar Novaes, a compositora Chiquinha Gonzaga e a soprano Bidu Sayão, ‘três dos maiores artistas que o País já produziu’. Como compositora-residente, escolheu Jocy de Oliveira que, às vésperas de completar 70 anos, continua na linha de frente da vanguarda brasileira, em busca de novas linguagens musicais que dialoguem de alguma maneira com a nossa época e seus principais temas – e o papel da mulher na sociedade, não por acaso, é um deles, parte de ‘uma música que remete a um momento de transformação e aborda a luta pelos direitos da mulher e pela igualdade’, nas palavras de Minczuk. Mais: o maestro espalhou pelos 48 concertos da programação obras de 20 compositoras, muitas delas nunca executadas no Brasil; e, outras, apenas vagas lembranças na mente de nossas platéias, como Clara Schumann, Fanny Mendelssohn, Amy Beach, lista completada por brasileiras como Mariza Rezende.

As intérpretes, que completam a lista acima, são um capítulo à parte. A maestrina paulistana Debora Waldman, atual assistente de Kurt Masur na Orquestra Nacional da França, rege a ópera Rita, de Donizetti. Estrela do violão, a norte-americana Sharon Isbin faz suas primeiras apresentações no Brasil, o que vale também para a trompetista Alison Balsom e para as moças do Eroica Trio. Também de fora vem a grande diva, dame Kiri Te Kanawa, que canta Strauss acompanhada pela Orquestra Sinfônica Brasileira. Nossas mulheres estão representadas por artistas como a pianista Cristina Ortiz, as sopranos Gabriela Geluda e Rosana Lamosa, a violinista Elisa Fukuda ou a harpista Rita Costanzi. Mas elas não estão sozinhas, vão dividir o palco com homens talentosos, o violoncelista Antonio Meneses, os maestros Abel Rocha, Karl Martin e Ira Levin, os pianistas Jean-Louis Steuerman e Gerard Wyss (veja abaixo mais informações sobre os destaques da programação).

‘Procuramos, enfim, levar a Campos pessoas emblemáticas nos contextos internacional e nacional, nomes consagrados, nomes que estão despontando e nomes importantes que ainda não estiveram no Brasil. E montamos programas com a preocupação constante de apresentar as grandes obras ao lado de estréias’, diz Minczuk. Ao todo, serão estreadas em Campos 23 obras, algumas em primeira audição mundial, outras em primeira audição nacional. Entre os destaques, Mariinha, de Liduíno Pitombeira, que a Osesp interpreta amanhã, o Duo para Viola eVioloncelo, de Rebecca Clarke, e o Quarteto de Cordas, de Ruth Seeger, além de obras de Galina Ustwolskaja ou Joseph Rheinberger.

HÁ 30 ANOS MORRIA IDEALIZADOR DO FESTIVAL DE CAMPOS HOMENAGEM: Em seu nome, o Festival de Inverno de Campos do Jordão homenageia o idealizador dos primeiros concertos na cidade, o dr. Luís Arrobas Martins, morto há 30 anos, no início de julho de 1977. Advogado nascido em Jaboticabal, no interior do Estado, ele foi colaborador do jornal Resistência, publicação do movimento estudantil democrático que, entre os anos 30 e 40, se opunha ao regime de Getúlio Vargas. Em 1959, dr. Arrobas Martins foi convidado para a vice-presidência do Banco do Estado de São Paulo. Seis anos mais tarde, quando Abreu Sodré assumiu o governo de São Paulo, passou a ocupar o posto de secretário de Planajemento e, mais tarde, o de secretário da Fazenda – e é importante lembrar que, em 1968, colocou-se abertamente contra o decreto do AI-5. Deixou, em 1970, a pasta da Fazenda. Voltou a advogar, mas logo foi nomeado para o Tribunal de Contas do Estado. Quando Paulo Egydio Martins assumiu o governo paulista, chamou-o para o posto de Chefe da Casa Civil. Encerrou sua carreira política em 1976, deixando entre suas realizações uma preocupação perene com a cultura: foi um dos responsáveis pela criação da Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo, organizador do Museu do Palácio Boa Vista, em Campos do Jordão, idealizador do Museu de Arte Sacra de São Paulo, do Museu da Imagem e do Som e do Museu do Mobiliário Artístico e Histórico Brasileiro, hoje Museu da Casa Brasileira.