Governador abre seminário sobre ética corporativa na USP (1)

Queria agradecer ao André Montoro Filho, que é presidente do ETCO – Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial, pelo convite; saudar aqui um amigo de tantos anos, o ministro Marcílio Marques […]

ter, 04/12/2007 - 11h16 | Do Portal do Governo

Queria agradecer ao André Montoro Filho, que é presidente do ETCO – Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial, pelo convite; saudar aqui um amigo de tantos anos, o ministro Marcílio Marques Moreira, que é presidente do Conselho Consultivo do ETCO; e a todos e a todas.

Queria dizer, inicialmente, que nós estamos tratando, neste seminário, de um tema novo que habitualmente não tem lugar muito para as discussões a respeito da economia, da sociedade – e nem mesmo no âmbito governamental. É um tema novo, mas um tema extremamente relevante e cada vez mais presente no cotidiano da ação das empresas e no cotidiano da ação do próprio poder público. No caso, nas três esferas.

Eu tive oportunidade, ao longo da minha vida pública, de atuar nessas três esferas, seja como secretário de Estado, seja como ministro, seja como prefeito, seja como governador agora, e também no Parlamento. E sempre senti o peso desse tema da ética no funcionamento do mercado e da nossa sociedade.

Queria assinalar também a presença do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que aqui chegou.

Bem, vamos, independentemente de maiores considerações sobre o tema, do ponto de vista mais amplo, vamos examinar a questão da ótica agora do Governo de São Paulo e o ambiente de negócios.

Em primeiro lugar, é importante dizer que esta questão de concorrência  envolve mudanças no papel do Estado nas últimas décadas da nossa economia. Eu lembro, por exemplo, quando havia discussões que cercavam as novas funções do Cade, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, que cuida da área de preços, que cuida da concorrência dentro da economia.

Nós tivemos duas mudanças essenciais, a partir dos anos 80 até agora. Primeiro, foi a abertura da economia. Segundo, o encolhimento do papel do Estado como produtor. E mesmo no monitoramento de preços. Então, é mais ou menos lógico que, por volta dos anos 60, 70, as questões da concorrência ficassem em um segundo plano. Por quê? Porque em uma economia fechada, automaticamente prescinde-se de um elemento regulador no sistema de preços, que é a concorrência externa.

Por outro lado, numa economia em que o Estado detinha a produção de todos os insumos básicos mais fundamentais, do petróleo, passando pela energia elétrica, por telecomunicações, pelo aço, é evidente que a questão da regulação da concorrência é uma questão que ficava no segundo plano. Isso, portanto, alterou. Isso foi mudado no nosso País e exige, evidentemente, muito trabalho para que a regulação exista.

Muita gente pensa que o Estado interventor ou produtor do passado deveria ser substituído por um Estado da pasmaceira, confiando apenas no funcionamento do sistema de preços que lhe devia o País, e à própria economia a sua melhor situação.

Quer dizer, essa é uma idéia que não se sustenta de forma nenhuma. Aliás, esses próprios exemplos que eu dei quanto à mudança do papel do Estado e das condições de abertura da economia mostram a importância de uma ação regulatória por parte do Estado. A tentativa da criação de agentes, por exemplo, foi uma tentativa de substituir, exatamente, a intervenção pela regulação.

Até hoje, o nosso sistema de defesa da concorrência ainda tateia procurando o seu lugar, o seu caminho no nosso País – que ainda não está perfeitamente claro.

Existe sempre uma ótica jurídica, uma ótica econômica, e por vezes elas divergem. Muitas vezes não se permite, por exemplo, uma incorporação de empresas, porque se considera que isto levaria ao controle do mercado, a uma excessiva concentração do poder de mercado de algumas empresas. Mas, por outro lado, se deixa de lado a questão de que existe concorrência externa; que, muitas vezes, a própria concentração é necessária para poder enfrentar a concorrência externa. Este é um enfoque mais econômico. Essa questão não está resolvida. Ela volta cada vez que há uma incorporação, cada vez que há um assunto colocado em termos de aumento de poder de mercado.

Agora, no âmbito, eu diria, ainda não tanto uma mudança institucional, mas uma mudança de fato que tem acontecido, se refere às questões de natureza ambiental, que estão hoje mais presentes do que jamais estiveram. Isso é o desenvolvimento, digamos, da consciência a respeito do problema de meio ambiente, que no passado não existia, e que mostra uma falácia monumental dos mecanismos de mercado.

Porque, mesmo que agora se tente fazer que eles operem através de compra de carbono, enfim se procura, ainda de uma maneira muito tentativa, sem que isso esteja realmente operando, introduzir mecanismos de mercado nesse assunto. Mas – é evidente – o mercado não dá conta da predação dos recursos naturais, de forma nenhuma, até os dias de hoje.

E isso introduz elementos também novos, uma vez que há uma consciência de que esses recursos são escassos e devem ser preservados, até para que tenhamos um desenvolvimento sustentável. E não algo que, no futuro, se ponha a perder em razão da destruição de recursos naturais e ambientais.

Bem, portanto, nós temos um enfoque que mostra sempre a enorme importância que tem o Estado, mesmo dentro de uma economia aberta e dentro de uma economia com razoável liberdade de preços, que também não é total assim. Não há liberdade no caso de vários insumos básicos que continuam sendo preços administrados, como é o caso da energia elétrica, como é o caso do petróleo. Ou até alguns produtos mais críticos, como na área de medicamentos.

No caso do Estado de São Paulo, as ações que eu distinguiria que têm a ver com o ambiente de negócios se desdobram em três vertentes.

Em primeiro lugar, a questão fiscal – que é um elemento fundamental, digamos, de ambiente, até para a concorrência, até para o funcionamento adequado das instituições. É uma economia que tem desequilíbrio fiscal, ou que está em processo de perda de equilíbrio fiscal. É uma economia que se desorganiza e o governo se torna fraco. Questão fiscal tem também uma dimensão política. Todo governo que vive em meio à indisciplina fiscal ou promove indisciplina fiscal é um governo que se enfraquece, perde a sua capacidade de intervenção,  de atuação.

No nosso caso, nós temos sido razoavelmente sucedidos, neste primeiro ano de governo, nessa matéria. Eu daria um dado bastante sintético: a redução entre a dívida consolidada do Estado e a receita corrente líquida foi de 20 pontos percentuais, desde o começo do ano até o final de outubro. Claro que isso é facilitado pela megavalorização cambial. Mas não é o único fator que explica. A disciplina fiscal, no caso, foi fundamental. Basta ver que os gastos correntes, no ano que vai até outubro, cresceram 3,6% em termos reais; não deixando que, de forma nenhuma, acompanhassem o crescimento da receita, que foi de 11,1%.

Nós estamos, de alguma maneira, na direção contrária à do Governo Federal nessa matéria. Quer dizer, as receitas têm crescido mais do que as despesas correntes. E isto serve tanto à redução da dívida quanto ao investimento, que é o gasto público, em tese, de melhor qualidade, pelo menos no atual contexto.

Então, a idéia – digamos – não é a economia de recursos por si só. Mas também, um espaço fiscal para o governo fazer investimentos e controlar também seu endividamento e suas operações de âmbito fiscal e de endividamento.

Uma questão fundamental nisso também são as medidas de natureza tributária, que têm tanto a ver com o ambiente de negócios. Quer dizer, a idéia é tratar todo mundo igual; eliminar, combater a cultura do jeitinho que resolve pontualmente. No Brasil, os empresários têm paixão por um jeitinho. Em geral, eles gostam de homens públicos que resolvem seus casos especiais. Quando o homem público defende os interesses gerais, ele tende a ser um pouquinho estigmatizado. O bom é o fulano que, mesmo que não defendendo adequadamente os interesses gerais, seja capaz, ou tenha disposição para ir resolvendo questões pontuais. Mas nós não podemos simplesmente nos deter nessa idéia de que nossos empresários tendem a ser assim. Uma boa maioria. Mas – também – dar o exemplo no comportamento do governo.

Nesse sentido, nós combatemos a fraude, a sonegação fiscal, a corrupção, o jeitinho – mesmo nas questões de natureza ambiental, o vigor do Governo Estadual tem sido crescente – e em outras áreas de atuação. Criamos a Nota Fiscal Paulista desde o dia primeiro de outubro, que é para incentivar o cidadão a pedir nota fiscal em todos os estabelecimentos comerciais.

E foi um plano aos poucos: começamos com bares, restaurantes. Agora, em dezembro, vai entrar brinquedos. Nós estimamos que a sonegação na área de varejo é em torno de 60%, e a idéia é combatê-la. Mas combatê-la dando um incentivo – tal como nós fizemos na Prefeitura com relação ao ISS, que foi um grande sucesso – permitindo que quem tenha a nota fiscal desconte 30% do imposto gerado dentro do varejo.

Outra noite – desde que tinha sido implantada a nota fiscal, eu não tinha ido a nenhum restaurante – eu fui sábado com um amigo, e eu não vou dizer quem é. Mas, evidentemente, eu quis pular no pescoço dele, porque ele não sabia disso.  Eu não tinha dinheiro, como é um típico comportamento que eu peguei do presidente Fernando Henrique: você esquece cartão, não tem dinheiro no bolso. Não pude pedir a nota e obriguei-o a pedir a nota. Mas, de fato, isso tem um benefício: dinheiro na conta, pode dar para uma instituição de caridade, pode deduzir do IPVA.

Enfim, é a idéia da formalização das coisas e, ao mesmo tempo, do abatimento da carga tributária individual. Abater carga, diminuir sonegação significa criar a possibilidade de diminuir a arrecadação per capita daqueles que pagam. Diminuir a carga tributária por indivíduo. A gente sabe que a sonegação tem uma coisa, do ponto-de-vista das empresas, absolutamente detestável. Porque acabam mais aqueles que pagam. E aumenta, aliás, a distância entre aqueles que pagam e aqueles que não pagam, aqueles que sonegam.

Portanto, este foi um grande passo. Na Prefeitura, deu muito certo, mas com o ISS era mais fácil, porque não era tão pulverizado no varejo. Mas foi um sucesso estrondoso o que se fez com a Nota Fiscal Eletrônica do ISS. Nós imaginamos que o sucesso aqui também é uma probabilidade muito grande.

Outra questão são, por exemplo, as operações que nós fizemos até em relação ao IPVA, que tem uma forma de sonegação que só é dada a rico. Só rico faz essa sonegação que é a de ter carros registrados em Tocantins ou no Paraná, onde tem IPVA menor. Não estou aqui desrespeitando os advogados que falam contra isso porque o papel do advogado é esse: o cliente contrata e ele tem que dar razão para o cliente.

Mas, evidentemente, é um procedimento de sonegação de fato, porque até as pessoas não têm domicílio fiscal, no caso do Estado de São Paulo. E é um planejamento tributário, um eufemismo em geral para a sonegação, que se usa, eu diria sofisticado, não é? Ter um carro em Tocantins, imagine a trabalheira. Talvez a maioria aqui possa perguntar como é que faria isso. Uma coisa complicadíssima para ser feita. Mas é a idéia de que … pode também se dizer: – O IPVA em São Paulo é mais alto que nos outros. Pode ser. Só que nós temos dez milhões de veículos aqui, e cinco milhões só na cidade de São Paulo. Quer dizer, os gastos com o sistema viário são descomunais. E o IPVA, aliás, é repartido com os municípios.

Quer dizer, nós não podemos tolerar essas práticas de esperteza. Estamos dando o exemplo, a propósito, nessa matéria. Naturalmente abertos, também, para as críticas ou observações que se façam sobre o desempenho do Governo nas suas diferentes Secretarias, nas diferentes áreas que têm a ver com o público.

Outra questão para a qual eu queria chamar atenção aqui tem muito a ver com o comportamento empresarial. É a questão da guerra fiscal. Tem empresas que me visitam para pedir crédito por ICMS que não pagaram. Está certo? Porque aí é muito fácil. Outros Estados fazem isso, promovem importação pelos seus portos e não cobram o ICMS da origem. De várias maneiras: a empresa vem para cá, quer dizer a matéria-prima entra em São Paulo, e no final do processo a empresa pede o crédito do imposto que ela não pagou. Eu não vou dar nomes aqui, mas vocês podem estar certos de que ficariam horrorizados se desse a lista dos nomes.

Essa é uma prática contra a ética empresarial, está certo? É uma esperteza. Você pode dizer: – Não, está aproveitando, é legítimo que o Governo faça isso, faça aquilo, e a gente aproveite. Mas, na questão da ética, não se trata apenas da esperteza de aproveitar. Trata-se de ter um comportamento adverso à esperteza. Eu digo porque essa questão – viu, André? – é uma questão que também deve ser debatida.

Porque, em geral, em questões de concorrência, ficam restritas à ineficiência da ação do Estado, da ética e dos que sonegam. Mas há também esse outro tipo de ação que traz um prejuízo enorme. No caso do Estado de São Paulo, imenso, porque São Paulo é a maior vítima dessa guerra fiscal.                                                               

O que nós estamos fazendo? Estamos glosando. O sujeito não pagou no Estado, não tem o crédito aqui. Isso vai para a Justiça, tem sempre bastante confusão, mas trata-se de estabelecer regras iguais para todos. É o cúmulo, por exemplo, uma empresa que pode importar via Santos ou via São Sebastião, importar de um Estado distante, para depois vir se ressarcir de um ICMS que ela não pagou na origem. Isso não é correto, não é ético.

Bem, outro aspecto importante é o da desburocratização e da facilitação, digamos assim, do relacionamento do cidadão com o Estado. Nós instituímos o Poupatempo. O Covas começou com o Poupatempo para as pessoas. Isso foi um sucesso estrondoso aqui em São Paulo.

Eu não me lembro – talvez o André, ele estava no governo, talvez ele lembre – mas o custo de tirar alguns documentos básicos caiu umas três vezes para as pessoas. Sem falar da economia de tempo. Eu não estou medindo aí o tempo que as pessoas despendem. Nós damos tanta importância a isso que estamos aumentando em 50 por cento a capacidade dos Poupatempos de São Paulo. Ou seja, vamos fazer metade de tudo que foi feito até agora, a mais, nessa área. Estamos criando também, já foi instituído, o Poupatempo do Empreendedor. Estamos extinguindo a necessidade de reconhecimento de firma e apresentação de certidões, como a de antecedentes criminais, para abertura de pequenas e microempresas.

Nesse aspecto e noutros, aliás, estamos trabalhando com cinco municípios que nós escolhemos em São Paulo.

Diga-se, de passagem, que outro dia a imprensa me perguntou e eu não soube explicar a razão. Mas, dos cinco municípios, quatro dos prefeitos são palmeirenses. O único que não é o Gilberto Kassab, que é sãopaulino. Nós estamos fazendo essa experiência para poder permitir que a abertura de empresas um dia chegue a um prazo de quinze dias.

O Banco Mundial publicou uma pesquisa sobre tempo de criar empresas no Brasil. Eu tive curiosidade, como costumo fazer, de ir ao estudo do Banco Mundial, para ver do que se tratava. Em geral, a imprensa publica e fica o conhecimento restrito à notícia. Mas nós fomos pegar o estudo. E no estudo a cidade que serviu para representar o Brasil nessa matéria foi a Capital de São Paulo. Portanto, era um desafio imediato.

Na Prefeitura, nós começamos a fazer mexidas nisso, tem uma coisa aí, eu não gosto de burocracia, mas também não entendo muito. Alguma coisa de certificado imobiliário, alguma coisa que é muito importante, antes demorava três meses e agora se faz pela Internet. Mas ainda há vários pontos de estrangulamento dentro desse processo.

Por outro lado, nós já unificamos três cadastros de fornecedores para o Estado e vamos unificar os cadastros de empresas da Cetesb, da Junta Comercial, Secretaria da Fazenda, Vigilância Sanitária, Corpo de Bombeiros. Tudo num único cadastro. Facilitando enormemente a relação do meio empresarial com os diversos órgãos do Estado. Esse trabalho está em pleno andamento.

Enfim, eu poderia me alongar ainda dando vários exemplos. Mas o importante é mostrar que, para nós, esse assunto da ética tem uma importância muito grande. Mesmo no que se refere ao comportamento do Governo.

Há um outro ponto, por exemplo, que é a questão de pagamentos. A doutrina nossa é só contratar serviços e obras se há plena condição de fazer pagamento pontual. Nada de atrasos. Fizemos, naturalmente, renegociações de contratos. Conseguimos diminuir, até agora, cerca de 600 milhões de reais. Mas os fornecedores têm certeza de que vão receber. Eu tive esse problema quando chegamos à Prefeitura. Tinha filas de credores. Aí, não tivemos outra saída que não fazer uma renegociação do conjunto da dívida, porque não havia capacidade de pagamento.

Mas todos os gastos nos quais nós incorremos nós pagamos. Até a Eletropaulo, que teve um péssimo comportamento. É uma empresa pública ruim em São Paulo, como empresa pública que tem função social, porque, afinal de contas, é uma fornecedora de energia elétrica para todos. Interromperam um ou outro serviço.

O que é que nós dissemos? – Na verdade, vocês foram cúmplices das duas Prefeituras anteriores que deram calote. Porque deviam ter cortado quando deram calote. Agora, querem cobrar da nova, que não vai dar calote em cima do seu consumo de energia elétrica. E realmente a Eletropaulo nunca recebeu tanto quanto a partir da nossa gestão, e continuou na gestão do Kassab. Agora, a questão do passado é algo pela qual ela mesma é co-responsável pelo problema criado. Não digo nem juridicamente, ela é responsável de fato.

Mas esta questão do pagamento em dia é vital para a credibilidade, para combater a corrupção. Porque uma parte da corrupção se desenvolve através da criação de dificuldades para depois vender facilidades de pagamento. E para dar um exemplo de bom comportamento e conseguir, além disso, melhores preços pelo lado do Governo. Porque a pontualidade para a empresa também é um ganho. Ela tem um ganho com isso, na medida em que ela recebe em dia. E receber em dia tem um valor. Quando há a incerteza se recebe em dia, em geral a empresa tende a carregar nos preços para o provável atraso. De maneira que, com isso, as regras ficam muito melhores, muito mais transparentes, muito mais convenientes para o Governo e para as empresas.

Bem, eram estas as questões que eu queria transmitir aqui, em grande medida baseadas na nossa experiência à frente do Governo. Eu queria aproveitar para cumprimentar novamente a ETCO pela organização desse Seminário pioneiro em matéria de aprofundamento das questões que envolvem a ética empresarial e o Estado.

Muito obrigado.