Transtorno de ansiedade social atinge 13% dos brasileiros

Segundo pesquisadora da USP de Ribeirão Preto doença é confundida com timidez excessiva

qua, 02/07/2008 - 13h48 | Do Portal do Governo

Marco Antônio era um homem solitário. Aos 28 anos de idade, ainda não tinha concluído o primeiro grau. O único emprego que conseguira era de entregador de pizzas. Mesmo assim, só se mantinha no cargo porque não precisava conversar com os clientes. Além disso, podia ficar o tempo todo de óculo e com capacete. Para a maioria das pessoas, os hábitos do rapaz eram estranhos ou revelavam uma timidez excessiva. Na realidade, Marco Antônio faz parte de um universo de pessoas acometidas pelo transtorno de ansiedade social.

Pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto revelou que a doença é pouco conhecida e atinge 13% da população brasileira e somente 1% das pessoas sabe ou tem conhecimento. O trabalho concluiu que os portadores da ansiedade social têm uma auto-imagem negativa, fator determinante para que desenvolva o medo de falar em público, conhecido popularmente como fobia. É justamente o medo que desencadeia a fobia e não a ansiedade.

“As pessoas com ansiedade social têm medo excessivo de críticas e evitam se expor. Entre os sintomas desse transtorno estão o medo de que o outro vai pensar e o receio de ser avaliado pela sociedade. Nos casos mais graves, as pessoas não saem de casa, não comem, nem mesmo utilizam banheiros coletivos”, revela Maria Cecília Freitas Ferrari, psiquiatra e pesquisadora do Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica da USP de Ribeirão Preto. De acordo com a psiquiatra, a doença ainda é subdiagnosticada. “Isto porque a maioria das pessoas pensa que se trata de timidez, que faz parte da personalidade de cada um. Com isso, muitos sofrem a vida inteira sem saber que existe tratamento disponível”.

Conseqüências – Quando a pessoa não procura tratamento, geralmente recorre ao álcool ou às drogas, particularmente, à maconha, como forma de controlar a ansiedade. Os casos gravíssimos levam, também, o sujeito à depressão e podem gerar outros transtornos como a síndrome do pânico. Marco Antônio, por exemplo, em momentos de excessiva exposição pública chegava até a desmaiar.

Maria Cecília explica que as mulheres são as maiores vítimas da ansiedade social. “A doença começa a se manifestar na infância. A pré-adolescência (entre 11 e 15 anos) é o período mais difícil para os portadores de ansiedade social. Nessa época, o corpo passa por diversas transformações e o contato social é maior entre os jovens. Para quem não gosta de ser o centro das atenções, a vida torna-se um inferno”, assegura a psiquiatra.

Quando o caso é mais leve e a doença não é diagnosticada corretamente, a mulher entra em relações conflituosas com o sexo oposto ou torna-se submissa na relação. Nos casos mais graves, nem namora, porque terá de expor seus sentimentos e teme a rejeição.

Os portadores da doença são extremamente perfeccionistas e não gostam de dar margem às críticas. Cecilia alerta que a ansiedade social é um transtorno crônico que deve ser tratado. Geralmente, são utilizados medicamentos antidepressivos que contêm componentes ansiolíticos (tranqüilizantes) aliados à terapia cognitiva comportamental. “Sem o acompanhamento de um terapeuta, fica difícil descobrir as razões que levaram a pessoa a desenvolver a doença”. A pesquisadora diz que há fatores como formas de convívio entre as pessoas que podem estimular a ansiedade social, mas também há fatores genéticos, identificados na região do cérebro, que planeja as ações: o córtex singulado anterior e a amídala cerebral. “Descobri no estudo que gêmeos, particularmente os monovitelinos (idênticos), têm maior incidência da doença do que a população em geral”, informa a pesquisadora.

Durante dois anos, Marco Antônio submeteu-se ao tratamento tradicional com medicamentos e sem acompanhamento psicológico. “Quando o paciente chegou às minhas mãos, já sabia que precisava mudar a situação. Após 15 sessões de terapia, ele recebeu alta”. Hoje, a vida de Marco Antônio é outra. Após o tratamento, casou, já é pai de uma menina e está se preparando para cursar a faculdade de Engenharia.

Premiado – O estudo realizado pela equipe da doutora Cecília obteve a segunda colocação no segmento neuroimagem entre os melhores trabalhos apresentados no 16º Congresso Europeu de Psiquiatria, realizado este ano, em Nice, na França, e o primeiro lugar no estudo de transtorno de ansiedade.

A pesquisadora e mais 12 profissionais da área de radiologia, medicina, psicologia e psiquiatria estudaram durante um ano e meio pessoas que apresentavam o transtorno e comparou o resultado com outras que não tinham o problema. No total, foram 67 voluntários com idade entre 18 e 30 anos.

Ela expôs os pacientes justamente ao que eles mais temem: conectados a sensores que medem a quantidade de suor e batimentos cardíacos, precisaram opinar sobre diversos temas e fazer uma avaliação de como se sentiam. “Observamos que o que diferencia o grupo que tem transtorno do outro que não sofre do problema é a forma de as pessoas se avaliarem. Elas pensam que não vão dar conta e que todos estão observando-as”, afirmou.

A pesquisa delimitou algumas regiões cerebrais envolvidas. Neste ponto, o estudo é inédito. Por esse motivo, é o primeiro passo para o desenvolvimento de medicamentos mais específicos”, concluiu Maria Cecília.

Da Agência Imprensa Oficial

(M.C.)