Fapesp financia compra de obras raras para Unicamp

Mais detalhes sobre as novas coleções em www.ifch.unicamp.br/ael

seg, 12/05/2008 - 10h33 | Do Portal do Governo

A Biblioteca Octávio Ianni, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, recebeu da Fapesp o considerável montante de 187 mil dólares para aquisição de material bibliográfico microfilmado de acervos dos Estados Unidos e da Europa, no âmbito do projeto FAP Livros. Trata-se de um precedente importante e promissor para os pesquisadores, visto que estes recursos, a priori, destinam-se apenas a livros, jornais e outros documentos impressos.

Devido à especificidade do material adquirido pela Biblioteca do IFCH, as mais de 7 mil microfichas e quase mil rolos de microfilmes, com milhares de documentos raros, vêm sendo armazenados e disponibilizados no Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) – umas das grandes fontes de pesquisa do país em história social e do trabalho. Inexistentes na historiografia brasileira, os documentos se referem, por exemplo, ao processo de colonização espanhola e portuguesa na América Latina, África e Ásia. A aquisição de microfilmes aparece, assim, como boa alternativa de acesso a grandes acervos espalhados pelo mundo.

“Hoje, as universidades brasileiras estão obrigadas a oferecer um curso sobre história da África, que também deve ser ensinada no ensino médio, quando são pouquíssimos os nossos especialistas que dominam o tema. Numa grande universidade americana, todo doutorando pode se especializar em história da África com os documentos primários que tem à mão, sem colocar um pé no continente”, afirma Sidney Chalhoub, professor do IFCH e diretor do AEL.

Chalhoub observa que possuímos programas de pós-graduação muito bons, mas quase que totalmente voltados para a história do Brasil, exatamente por falta de recursos bibliográficos. “Não há outra opção para nossos historiadores. Estamos de costas inclusive para a América Latina. Embora seja um processo demorado, podemos criar condições concretas para também fazer a história de outros países sem necessariamente sair daqui”.

O professor Michael Hall, um dos grandes responsáveis pelo invejável acervo hoje reunido na Biblioteca do IFCH – referência para pesquisadores de todo o país – faz uma comparação: “A Unicamp tem cerca de 800 mil volumes em suas bibliotecas. Algumas universidades também fundadas nos anos 1960 e que figuram entre as 200 do ranking divulgado recentemente, possuem de dois a três milhões de volumes. Não é inconcebível chegarmos mais perto, mas a distância é grande”.

Michael Hall explica que, diante dos recursos disponibilizados pela Fapesp para a compra de coleções microfilmadas, o critério de seleção foi trazer para a Unicamp fontes primárias inéditas de outras partes do mundo. “Uma das coleções é enorme, com 180 rolos de microfilmes contendo jornais anarquistas e do movimento operário latino-americano do final do século 19 até a Segunda Guerra”.

O docente do IFCH refere-se ao material coletado pelo historiador e anarquista austríaco Max Nettlau, cujos originais estão no Instituto de História Social de Amsterdã. A coleção cobre o período de 1890 a 1940, que é o da formação do anarquismo e dos sindicatos ligados ao movimento na Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Paraguai, Peru, Porto Rico, Suriname e Uruguai.

Outra parte das aquisições relativas à América Latina é de microfilmes de livros impressos sobre a colonização espanhola, publicados entre 1543 e 1800, e que tratam da história, da religião e da igreja. “Uma coleção de microfichas obtidas na Biblioteca Britânica de Londres também reúne artigos sobre religião no Império Espanhol, como sermões e documentos de catequese e de inquisição”, acrescenta Michael Hall.

EUA –Ainda nesta linha, dos Estados Unidos, veio um conjunto de documentos que possibilita o estudo da religião moderna no continente, através de impressos de 1830 a 1970 retratando a devoção local, a poesia e iconografia religiosa, além das campanhas pastorais de várias igrejas.

Uma série compilada por José Toribio Medina, que integra coleção rara considerada uma das mais importantes sobre a América Latina, tem uma maioria de títulos relacionados a religião (liturgia, devoções, teologia) e regulamentos (ordens reais e regras monásticas). Outra coleção rara, também dos EUA, reúne livros e panfletos sobre o México até o fim do século 19, com temas como economia, justiça criminal, culturas indígenas, língua e literatura.

“Há uma coleção excêntrica, que pertencia a Obadiah Rich, um milionário americano que no começo do século 20 comprou no mercado, entre outros, documentos sobre os índios da América Latina e as conquistas de personagens da colonização espanhola, basicamente do século 16. Os microfilmes foram adquiridos da Biblioteca Pública de Nova York”, informa Hall.

Nos anos 1980, o AEL obteve junto ao Arquivo Nacional dos Estados Unidos, com financiamento do Banespa, parte da documentação microfilmada do consulado daquele país no Brasil: são correspondências de embaixadas despachadas de vários estados brasileiros ao governo americano. “Agora, com a ajuda da Fapesp, conseguimos complementar este material com despachos que vão do século 19 até os anos 1960”.

Da Europa – Não há apenas documentos da história. Uma coleção de materiais raros sobre a ética no período moderno, de 1830 a 1970, seguramente indisponíveis no Brasil, foi coletada em cinco diferentes bibliotecas da Europa, incluindo títulos de Kant e outros autores importantes.

De acervos europeus também vieram microfilmes de relatórios de viagens missionárias à África dos séculos 16 ao 19, com descrições sobre educação, costumes, curiosidades e críticas sociais. “A África começa a ser bastante pesquisada na Unicamp, mas é uma área carente de documentação. Esta coleção é de riqueza extraordinária, assim como outra que trata da expansão portuguesa na Ásia (Goa, Indonésia, Macau e um pouco do Japão) entre 1498 e 1800”, comenta o professor Hall.

Do material financiado pela Fapesp, a Biblioteca do IFCH ainda está prestes a receber e transferir para o AEL 1.485 microfichas de uma coleção sobre Juan Domingo Perón (presidente da Argentina em 46, 51 e 73), com documentos que são fontes de pesquisa para análise da ascensão, domínio e queda do Peronismo. E uma mesma quantidade de microfichas descrevendo terras exploradas por impérios europeus entre os séculos 15 e 19, incluindo China, Japão, Índia e Rússia.

Economia – Sidney Chalhoub, diretor do Arquivo Edgard Leuenroth, mantém em sua sala uma leitora de microfilmes “movida à manivela”, em comparação com as modernas máquinas disponibilizadas no espaço reservado a pesquisa. “Sou historiador do século 19. Quando cheguei à Unicamp, não encontrei documentação que me interessasse, ficava revoltado. Hoje não preciso ir a lugar algum para fazer pesquisa”.

Na opinião do professor, o investimento em documentação microfilmada pela Unicamp é uma forma de compensar o difícil acesso a grandes acervos que estão em São Paulo, Rio de Janeiro e em outros países. “Para nós, quanto mais microfilmes, melhor, pois estamos bem aparelhados. Gastamos mais de 180 mil dólares com este material do exterior, mas as viagens de pesquisadores que se poupa significam uma economia brutal”.

Chalhoub cita como exemplo a coleção do Cecult (Centro de Pesquisa em História Social da Cultura), composta por microfilmes de jornais, revistas, livros, legislação, relatórios ministeriais e documentação pessoal, que abrange o período de 1801 a 1951. Todo o material foi reproduzido do acervo da Biblioteca Nacional e de outras instituições congêneres. “Esta coleção evita viagens de pesquisadores ao Rio de Janeiro o ano inteiro”.

Outra documentação importante disponibilizada pelo AEL em microfilmes é de “autos crimes” – denominação genérica dada a processos criminais, execuções de sentenças, recursos e apelações, pedidos de hábeas corpus. A maior parte foi adquirida do Arquivo do Estado de São Paulo, havendo três coleções que vieram do Arquivo Nacional, referentes a processos que foram a recurso na Casa da Suplicação, Tribunal da Relação e Supremo Tribunal de Justiça (antecessor do Supremo Tribunal Federal).

Sidney Challhoub explica que os historiadores vêm recorrendo bastante aos autos crimes para estudar o cotidiano da escravidão e da população pobre que era alvo maior da atuação policial, já que os processos trazem falas minuciosas sobre a experiência das pessoas. “Este ano, em comemoração aos 200 anos do STF, estão microfilmando todo o acervo do Arquivo Nacional, com perto de 40 mil processos movidos no país inteiro, desde o século 19. Precisamos arrumar um jeito de comprar esses microfilmes”.

Elaine Marques Zanatta, supervisora da Seção de Pesquisas, conta sobre pesquisadores do Rio Janeiro que optam por vir trabalhar no AEL, por conta das facilidades oferecidas pelas leitoras digitalizadoras de microfilmes. “Na Biblioteca Nacional é preciso preencher um formulário para obter a cópia de um artigo, pagar e aguardar o material pelo correio. Aqui, ele pode gravar tudo no CD e levar para casa”.

O professor Fernando Teixeira da Silva, diretor adjunto do AEL, afirma que no médio prazo boa parte das coleções estará disponibilizada em meio digital. “O usuário poderá acessar os documentos da sua casa e estamos começando pela coleção Brasil Nunca Mais, que é a segunda mais requisitada depois da coleção do Ibope. Uma parte desta documentação que acaba de ser importada já está no instrumento de busca do nosso site, o Pesquisarq”.

De acordo com Regiane Alcântara Eliel, diretora da Biblioteca do IFCH, o projeto FAP Livros destinou verbas de 1,079 milhão de dólares para compra de livros e microfilmes importados, mais R$ 62 mil para material bibliográfico nacional. “Adquirimos mais de 20 mil títulos de livros – que chegam a 25 mil considerando as obras volumadas. É um enorme reforço para uma biblioteca já reconhecida como fonte indispensável de apoio à pesquisa de ponta na área de ciências humanas”.

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