Instituto Dante Pazzanese

Serra proferiu uma aula inaugural no auditório do instituto, em São Paulo.

ter, 23/10/2007 - 19h58 | Do Portal do Governo

O Governo do Estado promove a partir deste mês um curso inédito de especialização em Gestão Pública em Saúde para cerca de 200 funcionários da Capital e interior. O anúncio foi feito nesta terça-feira, 23, em São Paulo. Na ocasião, o governador José Serra proferiu uma aula inaugural do curso, no auditório do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, e fez o seguinte discurso.

Meu bom dia a todas e a todos.

… estava dizendo para o Barradas que só tem mulher aqui. Deve ser, no máximo, cinco por cento de homens. Isso é um bom indicador a respeito da gestão do nosso sistema de saúde.

Eu gostaria de dividir a apresentação em cinco tópicos que têm a ver com a gestão pública na área da saúde. Primeiro, a abordagem macro dos problemas mais abrangentes. Aquilo que os sanitaristas chamam de promoção da saúde. Em segundo, as questões que envolvem a regulação do sistema de saúde.  Em terceiro, o que tem a ver com o acesso ao sistema de saúde.  Quarto aspecto, o financiamento e o quinto, a questão do controle do sistema. Uma forma de poder resumir uma abordagem que é, na verdade, bastante ampla e bastante complexa.

 

Eu comecei a lidar com problemas específicos da área de saúde há nove anos, quando assumi o Ministério da Saúde. Até então, eu tinha tido uma relação relativamente superficial, a partir de posições de governo, especificamente na área de planejamento e orçamento. Tinha sido secretário do ministro nessa área e através da ação legislativa no Congresso Nacional. E de repente me vi envolvido com a gestão mesmo do setor no plano nacional.

 

A questão macro, como eu disse, envolve aquilo que se chama hoje de promoção da saúde, que tem a ver com elementos bem conhecidos como vacinação, higiene e saneamento básico. Esses são os elementos tradicionais. Mas nós introduzimos também outros elementos cruciais do ponto de vista da chamada prevenção, das condições gerais do sistema de saúde, que têm a ver com hábitos alimentares, sexuais. E hábitos, como é o caso do cigarro, em termos mais gerais. Nesta área, aliás, conseguimos introduzir inovações no cenário brasileiro. Eu incluiria também nessas outras frentes de ação o sedentarismo e o stress na vida moderna das grandes cidades. Então, nós tentamos aprofundar a área ligada aos velhos conceitos e abrir caminho para estas novas áreas.

 

Nesse sentido, o Brasil é um país que combina, em matéria de saúde, os problemas das nações mais desenvolvidas, das economias mais avançadas, e das economias mais pobres. Combinamos as duas áreas. Então, ações como dinamização e saneamento são cruciais, especialmente saneamento, que, em países desenvolvidos, já é um problema resolvido. E, ao mesmo tempo, envolve também problemas mais sofisticados, como é o caso do tabagismo ou do sedentarismo, que são típicos de economias de países mais desenvolvidos. Não que não exista nos outros, mas nas nações mais pobres,em geral,  não são questões prioritárias. Mas nós combinamos os dois mundos, como talvez nenhum outro país do planeta o faça.  

 

Bem, no que se refere a vacinas, nós enfatizamos – e este é um aspecto fundamental – a questão dos custos e da abrangência. Em nossos anos de Ministério, foram quatro anos, a aplicação de vacinas aumentou de 214 para 301 milhões de doses anuais. Nós fizemos grandes parcerias com produtores mundiais e internalizamos, digamos, tecnologia nesta área. A produção nacional de vacinas, para que se tenha uma idéia, mais do que duplicou: de 95 milhões para 193 milhões de doses anuais. Isto foi resultado de uma política do Ministério da Saúde. Não a produção direta por parte do Ministério, mas de entidades públicas da área da saúde, como é o caso do Butantã, como é o caso da Fundação Oswaldo Cruz, da Fiocruz. … 

 

Além disso, introduzimos vacinas novas, não só no plano da quantidade, como foi o caso da gripe, da pneumonia e do tétano, para todas as pessoas com mais de 60 anos. A introdução da vacina da gripe teve um efeito imediato, praticamente imediato, sobre as internações devidas a problemas bronco-pulmonares, que diminuíram bastante. Os resultados, em termos de saúde pública, foram diretos, fora este indicador que eu dei a respeito da gripe. O sarampo foi eliminado do Brasil. Em 97, foram 54 mil casos; em 2002, nenhum.

 

A malária exibiu 250 mil casos a menos. Contra a malária não há vacina. A malária é uma ação diferente, muito complexa, e feita nas regiões que são por ela afetadas. A eliminação do tétano neonatal em praticamente cem por cento dos domicílios brasileiros. Redução de 99 por cento dos casos de cólera e de 30 por cento da raiva humana.

 

Manteve-se também eliminada a poliomielite, que tem incidência alta em outros continentes, como na África e na Ásia, e manteve-se praticamente erradicado o tétano na área urbana. Foram 60 milhões de pessoas vacinadas desde

98. A

coqueluche e a difteria passaram para um índice insignificante.

 

Esses são alguns elementos, digamos, que refletiram uma ação na área tradicional – promoção de saúde. Agora, isso não foi feito com um orçamento tão maior. Ao contrário, nós conseguimos reduzir custos e até a despesa global. Na área de vacinas, por exemplo, nós chegamos a diminuir 179 milhões de dólares, a partir de 1998. E o preço da vacina da gripe baixou no primeiro ano, que era 4,8 dólares, para 1,8 dólar no último ano. No caso da vacina de hepatite, caiu três vezes: de um dólar para pouco mais de um terço do preço.

 

O que nós fizemos? Um exemplo, caso da vacina da gripe. Foi implantada no primeiro ano, teve um sucesso tremendo porque o Brasil é um país muito capacitado para ações de vacinação. Muito capacitado. Nós tivemos um nível de aplicação de vacinas já superior, igual ou superior ao dos Estados Unidos, que tinham a vacina há muitos anos. E o preço era muito alto. Então nós fizemos um acordo com um laboratório francês que era o fornecedor da vacina, mediante concorrência. Nós dissemos o seguinte: – Nós compramos só de vocês, não terá mais concorrência, mas em compensação tem que fazer duas coisas: reduzir o preço e fazer uma associação com o Butantã para transferir a tecnologia num prazo de cinco anos.

 

E isso aconteceu. Tanto que eu inaugurei, como governador, tive a oportunidade de inaugurar a fábrica completa de vacinas do Butantã. Mas isso foi objeto de uma negociação política, na época, com o laboratório. Ou seja, tivemos redução de custo, a garantia dada ao laboratório de que compraríamos dele e a internalização da tecnologia.

 

Concorrência é fundamental devido à lei, etc. Na área de saúde, em geral, é sinônimo de dor de cabeça. Por que ?  Porque tem guerra de liminares, a Justiça dá para um lado e para outro, para um lado e outro. Fica um pingue-pongue e em geral isso leva para o desabastecimento. A segurança da oferta é muito importante. A negociação de preço, também. Fora que, muitas vezes, a qualidade não corresponde, não é uma coisa homogênea para ser comparada. É diferente do preço de um recapeamento de rua (…….)          

 

Eu lembro uma vez que nós fizemos concorrência para distribuição maciça de camisinhas e ganhou uma empresa que estava em segundo lugar. A empresa que pegou em primeiro era chinesa. E o pessoal do Ministério desclassificou. Eles já tinham o jornal pronto para armar um escândalo. Nós tínhamos comprado a camisinha mais cara. Eu chamei o pessoal e perguntei:

– O que é que houve aqui?

– É que a camisinha chinesa não é boa.

Eu mandei pegar a camisinha chinesa para ver. Ela tinha cheiro de pena de galinha fervida. Sem qualquer preconceito em relação aos chineses. Nem sei se alguém daqui é chinês. Não tenho nenhum preconceito. Mas o fato é que – não sei se alguém já sentiu cheiro de pena de galinha fervida. Experimentem para ver que horror que é. Fora que ela vazava muito. Entende? É um problema … Eu mandei anular a concorrência e fazer outra. E aí fazendo especificações melhores. Mas esse era o problema. É um problema permanente na área da saúde.

 

Bem, outra área importante tradicional é a de saneamento básico. Uma das primeiras coisas que o atual governo desfez foi arrumar a Funasa. A Funasa é a Fundação Nacional de Saúde.

Em São Paulo

, ela não atua muito, porque aqui tem a Sucen – Superintendência do Controle de Endemias. É um órgão estadual, mas na maioria dos Estados quem faz o trabalho é a Funasa –  Fundação Nacional de Saúde. Que é muito importante nos outros Estados. Começando que quem é o coordenador em geral é nomeado por deputados, prefeitos, governadores ou senadores. E muitas vezes desconsiderando a capacidade que a pessoa tem. Loteamento, clientelismo, fisiologismo, para dizer o menor.

 

Bem, eu comecei um trabalho de rearrumar a Funasa. Começando por não receber indicações políticas. Não tiramos todos os que tinham sido indicados por políticos. Mas não admitimos a entrada de nenhum mais. Primeiro, vinha às vezes um senador, alguém falar:

– Você tem alguma boa idéia para a Funasa?

– Então não diga, porque se disser, está queimada. Não vai ser.            

Porque vai passar a depender do político no comando da Funasa. No final, nós até profissionalizamos. Para ser coordenador da Funasa, precisaria ter determinados requisitos de carreira.

 

Esse foi o primeiro decreto revogado na área da saúde. E aí abriu caminho para realmente arrasar a Funasa. Até hoje. Isto prejudica esse trabalho de controle de endemias. Muito. 

 

O saneamento é tocado pela Funasa. Nós fizemos algumas coisas no início, mas depois fizemos um grande programa que deu um salto muito grande. Foi o Programa Alvorada de Saneamento, feito com recursos não do Ministério da Saúde diretamente, mas com recursos do Fundo de Combate à Pobreza. Foram investimentos realmente assombrosos, os mais altos da história do Brasil, a fundo perdido. É preciso que se diga: a Sabesp faz investimentos em saneamento, mas não faz a fundo perdido. Ela faz por bem e relação. E boa parte do saneamento não dá para ser feita remunerando o capital investido. Tem que ser a fundo perdido mesmo. E nós fizemos uma média nesse sentido, praticamente 500 milhões de reais por ano em saneamento básico. Coisa que veio a ter efeito muito significativo sobre a mortalidade infantil, como nós vamos ver mais adiante.

 

Bem, outros aspectos mais heterodoxos, dentro de uma perspectiva histórica, naturalmente, porque hoje são comuns. Doenças sexualmente transmissíveis: já havia, na verdade, esse trabalho e nós intensificamos o trabalho de esclarecimento da opinião pública, campanhas educativas, especialmente nas faixas etárias mais velhas, incluindo o acesso à informação. Realmente foi impressionante, por exemplo, o aumento do número da utilização de preservativos. Isso foi muito significativo.

Um segundo aspecto foi no campo do tabagismo, em que nós proibimos a propaganda do cigarro. A propaganda do cigarro foi proibida já há muitos anos, não me lembro em que ano foi, deve ter sido em 2000. Nós não temos mais propaganda. Tiramos até da Fórmula 1. O governo federal restabeleceu a possibilidade de a Fórmula 1 fazer propaganda do tabagismo. Mas temporiamente.

E também implantamos o sistema de impressão, nos maços de cigarro, das fotos de pessoas doentes por causa do tabagismo. Fizemos filmes, trouxemos até aquele cow boy do Marlboro. Lembram?  O cow boy do Marlboro, não sei se vocês sabem, morreu de câncer no pulmão porque fumava. Nós trouxemos o irmão do cow boy do Marlboro para fazer palestras em Brasília, ele falou no Fantástico, fizemos filmes do cow boy do Marlboro mostrando que ele morreu por causa do cigarro, etc.

O fato é que a curva de tabagismo no Brasil passou a declinar e continua declinando até hoje. O alvo sempre foram os jovens porque é muito difícil alguém largar o vício do cigarro. Muito difícil. Praticamente oitenta por cento não conseguem largar. O importante era não ter novos viciados. Essa a questão básica. Daí vem a ênfase na propaganda em relação aos jovens. Principalmente, no caso dos homens, mostrando os perigos da impotência. Isso apavora qualquer adolescente e é o elemento mais eficaz para afastá-lo do tabagismo. Inclusive tem uma recomendação minha – um pouco exagerada, até – mostrando um cigarro vergado, assim. Mas isso … Vocês querem assustar? Se alguém tem filho, diga que não é potente, isso tem uma … O principal problema na vida de um homem quando tem … doze anos, só pena nisso. A coisa realmente foi muito eficaz.                

E também as ações em relação à alimentação. Nós – uma coisa pouco percebida, pouco enfatizada – estabelecemos a obrigatoriedade da rotulagem dos alimentos com a composição deles. Antes, isso não era obrigatório no Brasil, e passou a ser também.

Questões (…………..) obrigatoriedade de o álcool ser vendido sob a forma de gelatina, de gel. Boa parte dos acidentes, queimaduras provém daí A indústria ganhou liminar. Não sei em que pé está esse assunto legalmente dentro desse cipoal da moleza no Brasil: guerra de liminares. E também é preciso ter firmeza na ação (……..) para não acontecer isso.

Bem, um segundo aspecto é a capacidade reguladora do Estado na área da saúde. A começar pelo fato de que um bem, um produto ligado à saúde carrega consigo muita desinformação.

No mercado, se você for comprar uma lata de ervilha e ela for muito cara,  muda para outra. Se for ruim, muda de marca. Em geral, o mecanismo concorrência de mercado, concorrência perfeita, parte-se de uma premissa. A premissa é a informação e o consumidor é informado.

Na saúde, o consumidor compra a informação. Então, vocês têm aí um elemento nuclear para explicar por que a saúde não pode ou não é regulada pelo mercado. Primeiro, não é que o mercado não tenha importância. Mas como o mercado falha, no caso da saúde.

A gente vai ao médico fazer uma consulta e paga pela compra da informação. Coisa que, no que se refere às mercadorias, é gratuita. A internet hoje, então, é mais até do que gratuita. Capaz até ganhar prêmio por olhar, saber como é que o produto é, ou como é que deixa de ser.

Portanto, é uma área em que o governo tem que atuar. O mercado – pode parecer trivial isso, dá muita discussão – está por trás de muita coisa.

Então, nós entramos firmes nessa área. Fiz uma investida grande na área da saúde nessa matéria.

Por exemplo, no caso de medicamentos. Nós introduzimos os medicamentos genéricos. O que é medicamento genérico? Não é apenas o princípio ativo, como no governo anterior do Itamar, de boa fé, chegou-se a pensar que bastava botar o nome princípio ativo que tem medicamento genérico. Na verdade, as visões mais ingênuas eram essas.

Mas de fato, medicamento genérico é outra coisa. Além de levar o nome do princípio ativo, ele tem que preencher requisitos de qualidade de bioequivalência e de biodisponibilidade. Tem que preencher esses dois critérios, ou seja, ele tem que o clone perfeito do produto original.

Mesmo assim, tem médicos que não gostam dos genéricos. Alguns não querem usar por causa dos laboratórios originais, outros por ingenuidade. Mas não gostam do genérico. Então, para o genéricos pegar, é preciso que o médico tenha a garantia de que ele é exatamente igual ao produto que foi originalmente patenteado e que perdeu a patente.

Agora, vejam bem. Qual é a graça do genérico? É que ele reduz preços, porque aumenta a concorrência, diminui fator de lealdade ao produto.

Diante de um produto qualquer, a gente pode ter três atitudes: uma, abandonar, ir para outro, sucedâneo; segunda, de reclamar, porque não tem sucedâneos; então, reclama da qualidade e faz movimentos etc; ou seja, num caso a fuga é dele e no outro caso não dá para fugir, reclama; e o terceiro é a lealdade, que atrapalha a concorrência.

A minha mãe, por exemplo, era fixada na Cibalena. Tem Novalgina, dipirona. Se fosse comprar a dipirona, ela não queria, queria Cibalena, que evidentemente é mais cara. É uma lealdade a uma marca de fantasia. Isto existe muito, tanto que as marcas valem. Boa marca vale uma fortuna. Por quê? Porque ela envolve uma relação de lealdade e o genérico quer isso, vocês percebem? Então, ele fomenta a concorrência. Mas precisou ser uma ação governamental. O mercado espontaneamente não produz isso.

O que eu queria? Que fosse a seqüência e que não foi? Porque este governo também foi muito frouxo na questão de medicamentos. Muito frouxo. O que eu queria era, no limite, eliminar as marcas de fantasia. Ou seja, ficarem os originais e os genéricos. Não teria mais marca de fantasia que só encarece. Mas é um processo que teria que ser gradual, porque a maioria dos medicamentos são marcas de fantasia.

Fantasia são todos. Você pega o Valium: é um nome de fantasia, mas tem lá um princípio ativo que foi um medicamento original. Que continuasse como Valium, mas aí tem não lembro o nome do princípio ativo, teria o genérico e ponto final. Não teria outra coisa. Mas isso precisaria ter um espírito de luta, uma convicção. Evidentemente depois de 2003, isso desapareceu, como quase tudo na área da saúde que tinha de mais importante. Mas essa foi uma mudança fundamental.  

Outra mudança foi na área dos planos de saúde, que até hoje me traz dor de cabeça. Dizem que eu destruí o mercado de planos de saúde, etc. Na verdade, isso não aconteceu. Por quê? Porque na área dos planos de saúde há uma simetria crítica. Por quê? Porque as empresas querem enganar os consumidores. Elas querem gente jovem e não querem gente mais idosa.

Então, cobravam baratíssimo para o jovem que nunca fica doente. Por exemplo, meu filho que tem trinta e poucos anos até hoje nunca ficou doente. É um excelente negócio para um plano de saúde tê-lo como cliente. E um mau negócio ter os pais e os avós, porque esses vão ficar muito doentes. Então, cobravam um montante absurdo, que a pessoa paga a vida inteira. Quando chegava na hora de ser atendida não podiam, não tinham dinheiro para continuar pagando.

O mercado falha porque um lado quer enganar o outro. Só quer entrar consumidor que tenha doença , e a empresa só quer consumidor que não tenha doença. Um quer passar a perna no outro. Daí a necessidade de ter um poder regulador. Imperfeito. Claro que é imperfeito.

Nós fizemos, depois de muita discussão, etc, quando eu entrei tinha um  projeto no Senado, estava uma loucura de radicalismo. Mas nós negociamos, aprovamos o do Senado, uma Medida Provisória modificou várias coisas e foi feito um entendimento.

Por exemplo, uma relação máxima de prestação entre o mais idoso e o mais jovem. Nós diminuímos, não lembro mais qual era o número. Vocês lembram disso? Nós reduzimos para seis vezes. Seis vezes. Isso, o pessoal dos planos de saúde reclamou bastante, porque reduzimos para seis vezes.

E a questão de doenças pré-existentes: o ônus fica para o plano de saúde provar. Porque chegava lá, o sujeito entra no plano de saúde, depois aparece com um câncer e eles falam “não, você já tinha”. É legítimo, é provável, que muitas pessoas entram, sabem que têm a doença e se mancam para ter o plano de saúde. Mas pode ser que não. E o ônus ficava com a pessoa para provar que não tinha. Como é que você vai provar que não tinha?

Nós invertemos isto. Medidas dessa natureza.

Mais importante ou tão importante quanto isso, nós obrigamos a que os planos de saúde tenham um mínimo de oferta. Os novos. Ou seja, todos têm que ter o mínimo de coisas. Estabelecemos o que? Para quê? Para facilitar a comparabilidade e a concorrência. Não tem mais aquele negócio, tinha um plano, Duprós, é chique botar nome em inglês. Aumenta a clientela. É o tal da lealdade pervertida. Tem lealdade até em nome em inglês no Brasil.

Alguém estava doente, foi ver e estava com pressão alta, crônica, hipertensão crônica. E o plano não pode doença crônica, vocês acreditam? Não é possível. Quer dizer, está todo mundo fora, porque as pessoas idosas em geral têm doenças crônicas. “Quatrocentos e cinqüenta” anos pega doença crônica. Então, isso não tem mais, porque ficou tudo estabelecido no mínimo. Claro que o Supremo derrubou depois – foi correto – mas deixou durante algum tempo que não podia valer para os planos pré-existentes, porque tinham um contrato antes feito, e não podem violar um contrato pré-existente.

O que nós fizemos – negociamos com o Supremo Tribunal – para deixar para derrubar isto demorar um pouco, para a gente poder fazer a transição entre o plano antigo e o plano novo. E que as empresas oferecessem essa transição a um custo determinado. Em compensação, não perderiam o cliente.

Quando estávamos fazendo, se esbarrou basicamente na reação da corporação médica. . Porque para fazer isto as empresas teriam que exigir um controle maior na porta de entrada, dos procedimentos.

Eu me lembro da primeira vez em que eu entrei em contato com um plano de saúde não foi no Brasil, foi em Cornell. Eu já estava fazendo doutorado e eu tinha muita dor de cabeça no inverno. Então eu fui ao médico e ele me falou que eu tinha que operar a sinusite. Eu falei “bom tudo bem”. Mas antes tem que operar o desvio no septo. Evidentemente, eu operei o desvio no septo e não  operei a sinusite depois. Mas …

(FALHA NA FITA)

E ele ganha, quem paga é o terceiro. Isso aqui é uma maravilha. E eu não operei de sinusite depois. Eu não tenho sinusite. Provavelmente, era desnecessária. Eu não operei de medo da dor, não foi por racionalidade, mas eu não tenho sinusite. Logo, provavelmente, eu não precisava ter gasto aquilo.

Então, plano de saúde também tem esses problemas e como entrou uma dividida, e aí o Boris Casoy, todo mundo na televisão, o cacete em cima da gente, porque iríamos fazer mecanismos de transição.

Com isso, se perdeu uma grande oportunidade, toda a população poderia estar melhor atendida. Qual é o problema nós tivemos com os médicos na área do plano de saúde? É que eles querem o piso, o salário mínimo, remuneração mínima, liberdade, etc. e tal. Qual é a nossa posição? Que isso tem que ficar por conta do mercado. Não é o governo que vai entrar e estabelecer custos para uma empresa privada. Aí vocês têm que brigar, se enfrentem, não é o governo que vai arbitrar.

Esse é um dado importante na questão. Em geral, o que todas as classes querem é que o governo venha com uma lei e obscureça a chamada luta de classes. Ficam de lado e o governo resolve arbitrando de um lado. Mas isso sim levaria ao fechamento geral de planos, e tal. Agora, efetivamente, aquele sistema anterior caducou. Muitos reclamam por causa disso e têm toda a razão, só que nós temos um sistema mais saudável e queremos, inclusive, que tenha mais planos de saúde. São Paulo tem 30%, 40 % da população, no Brasil é ¼. Isso é ótimo, porque tira a demanda do SUS, já pensou jogar toda essa tropa para o SUS? Vai criar uma crise no sistema. Então eu acho bom que tenha plano de saúde onde puder ter, não é?

Claro que o menos problemático é o plano coletivo. O individual ficou, na época do plano real, com reajuste anual. Isso é uma dor de cabeça, fixar o reajuste anual. E é muito duro, porque uma pessoa que está no plano de saúde, se ela não quer pagar porque o reajuste foi muito alto, ela não pode ir para outro. Ela vai ter que entrar em uma nova carência e vai perder tudo aquilo que pagou.  Então o governo acabou entrando e estabelecendo um reajuste, mas só dos planos individuais. Dos coletivos não. Por que dos coletivos não? Porque não precisa. Por que não precisa? Porque no coletivo tem lá uma empresa que fabrica sabão. Tem mil empregados e tem um plano coletivo. Não gostou do plano, ela vai para outro. A empresa tem esta mobilidade.

E para os planos de saúde, o seguro coletivo de saúde é um bom negócio. Por quê? Porque envolve gente com mais idade, mas também envolve jovens. Há uma amostragem da população, então eles não correm tanto risco, especialmente porque as pessoas de mais idade ficam fora, elas se aposentam e aí vão para o SUS. Esse é um problema. Eu, inclusive, quando era senador, fiz uma emenda uma vez, de um próprio projeto que permitia que continuasse o plano, mas em determinadas condições. O fato é que nós nunca conseguimos implementar isso. Bem, eu estou aqui dando uma idéia dessa questão da regulação, como é importante. Eu poderia falar de vários outros temas, mas nos alongaríamos em excesso.

O terceiro bloco é o acesso ao sistema de saúde, que é a questão básica. Como ter acesso a um tratamento de saúde? A organização da porta de entrada. As portas de entrada, duas: a tradicional, naturalmente é o posto de saúde. Nós criamos uma outra, que é o programa de saúde da família. Não criamos, eu encontrei já duas mil equipes de saúde da família e deixamos umas 18 mil. Ou seja, praticamente implantamos no Brasil inteiro, em parceria com as Prefeituras.

Ou seja, o Ministério pagou um percentual até alto dessas equipes. E isso como porta de entrada, o primeiro atendimento, a prevenção e tudo mais. A meu ver, este é o ponto mais fraco da saúde no Brasil. Se me perguntarem qual é o problema número um, é a porta de entrada, é o posto de saúde. Não funciona bem em nenhum lugar do Brasil. E é a questão crítica número um. Aliás, aqui em São Paulo é o número um o posto de saúde, especialmente em uma cidade grande como a nossa.

Quando é uma cidade pequena, está lá o prefeito …  mas em uma cidade grande é um problema tremendo. E aí entram vários fatores, entre eles um brutal absenteísmo; condições materiais de trabalho insatisfatórias, distâncias. E aí cria um ciclo vicioso que até hoje não está adequadamente equacionado. Tanto que aqui na Prefeitura, nós criamos os AMEs – Ambulatórios Médicos de Especialidade – que são unidades que funcionam, mas que não substituem perfeitamente os postos de saúde. Por exemplo, não dão vacina, controle de pressão de idosos, uma série de trabalhos preventivos para as crianças, a AME não faz. Isso continua no posto de saúde, que é a porta de entrada e está por trás até da fila do pronto socorro.

Porque, em tese, é o posto de saúde – e não é para os casos mais emergentes, assim, acidente – mas é que para o resto tinha que vir através de um posto de saúde. Isso não funciona bem. Essa é a questão crítica, que está por conta das Prefeituras, não é por conta do Estado. O programa de saúde da família preenche isso parcialmente, apenas. Não preenche totalmente, porque no final acaba caindo também na questão do posto. As AMEs são unidades de consultas médicas, pediatria e algumas outras funcionam bem, até porque são entidades de organizações sociais.

Sempre que há uma organização social, no geral, não é cem por cento, acaba funcionando melhor. Doze horas por dia, de segunda a sábado, entidades como Santas Casas, Santa Marcelina, Universidade Federal de São Paulo, etc., e paga também um salário melhor. Mas é um emprego precário, porque, em geral, o médico ou enfermeira trabalha 12 horas e ganha um salário que, se trabalhasse 30 dias, seria razoável. Mas na verdade é um bico. Mas eles cumprem direitinho esse bico, não é? E tende a funcionar muito bem, do ponto de vista do atendimento.

Claro que na saúde, opera o que em economia não opera: a lei de (……..) que em economia não vale, mas vale para a saúde, porque a oferta gera demanda. Bastou ter oferta para ter demanda. Em Economia não é assim: você vai fabricar lápis, se não tem demanda, vai quebrar. Mas na saúde não, qualquer coisinha que se faça, imediatamente vem a demanda atrás.

Bem, este é um aspecto então essencial, inclusive da minha gestão, que foi o aumento. Nós encontramos 50 mil agentes de saúde e deixamos 160 mil. Agentes separados de programas de saúde da família, e incluindo programa de saúde da família, porque programa de saúde da família é uma equipe, um médico, uma enfermeira, duas auxiliares de enfermagem e cinco agentes de saúde.

A meu ver, esse foi o outro fator crucial para a queda da mortalidade infantil, que foi muito acentuada. Eu não tenho aqui o número, mas caiu muito de 97 e 98 a 2002. Depois eu descobri o seguinte: eu, em geral, acabava me metendo por dentro dos números. Como é que os números são obtidos? Por exemplo, nos anos entre censos, quando não tem ainda a Funasa, os números são obtidos por inferência estatística.

Então falam que caiu a mortalidade infantil. Ninguém sabe. Foi feita uma curva aí, o meu receio é que fizesse uma curva e achatasse a queda da mortalidade infantil para os estágios extremos. Foi exatamente o que foi feito. Quer dizer, você não pega um subperíodo para saber o que aconteceu nele. O dado é triturado e levado para uma interpolação linear ao longo do tempo. Eu fiquei muito exasperado com isso. Mas não foi por maldade, é que funciona desse jeito. Na verdade, os números que a gente tinha mostravam que a queda foi muito forte.

Isto é explicável. Num Estado como São Paulo, para cair a mortalidade infantil, tem que investir no atendimento pré-natal e neonatal, na gravidez perigosa, uma série de coisas assim. Mas numa região pobre, não é que não tenham esses problemas, mas tem problema de saneamento, de higiene. Por isso também que nós dobramos a aposta na parceria com a Pastoral da Criança, da Igreja Católica, com a dona Zilda Arns.

As mais feministas ficaram indignadas com a minha relação com a dona Zilda, porque a dona Zilda é contra o uso de anticoncepcionais. O anticoncepcional dela é um terço, que a mulher conta dias no terço, não é? Eles faziam um trabalho extraordinário de assistência às famílias no tocante à higiene. Um trabalho incrível. Eu acho que a Pastoral… são três coisas: saneamento, a Pastoral e PSS. Mais agentes de saúde, para cair a mortalidade infantil. Muito eficaz. É um trabalho da Pastoral incrível. Tanto que nós propusemos a dona Zilda para receber o Prêmio Nobel da Paz. Não conseguimos, mas fizemos uma mobilização nesse sentido.

Bem, então, vamos para outro fato do acesso da velha complexidade:  ampliamos muito, inclusive no caso aí tem influencia o pagamento, que nós melhoramos muito. O dinheiro, na nossa gestão da Saúde, aumentou significativamente. Mas de maneira não percebida. Se alguém for fazer uma tese, provavelmente vai passar batido isso. Por quê? Porque na época do Collor, o Finsocial e o impacto da saúde foram questionados no Supremo. Uma coisa muito incrível. Ridícula.

Mas caiu o Finsocial e isso, mais o fato de que o dinheiro da folha de salário passou a ser integralmente dos aposentados, porque no aumento dado aos aposentados, uma parte é da saúde. Uma parte do que hoje é o SUS era o INSS antigamente, antes da Constituição. Então, uma parte da composição da folha de salário ia para a saúde. Isso foi eliminado. Mais o colapso do Finsocial, a saúde entrou em uma crise monumental e aí houve um empréstimo do FAT – Fundo de Amparo dos Trabalhadores – para o Ministério da Saúde.

O FAT foi criado por lei de minha autoria. Eu era o autor do FAT, na verdade era o seguro desemprego, era outra coisa. Eu era líder do Congresso e obriguei o governo que devolvesse o dinheiro do FAT. A primeira tendência era o governo garfar e estamos quites. Mas nós obrigamos a devolver o empréstimo do FAT e o governo começou a devolver. Quando eu assumi o Ministério, por sorte, foi o ano em que acabaram as prestações do FAT. Nós não deixamos tirar o dinheiro. Então o dinheiro que ia para o FAT passou a ser gasto na saúde. Isso que o Seixas tinha sido ministro, coitado, e esse foi o último ano em que ele pagou o FAT. 

Quando eu entrei, não tinha mais o FAT. Nós pegamos o dinheiro para gastar na saúde. Então aumentou o dinheiro e isso teve importância. Nós adotamos também uma política de incentivos. Por exemplo: UTIs, eu não sei como anda isso hoje, mas distinguimos três tipo de UTIs. UTI nem é atendimento médico de complexidade alta, mas enfim, serve como um exemplo. UTI de tipo um, dois e três. A um tem uma equipe de UTI, a segunda tem um médico e a terceira nem tem um médico especialista. Demos reajuste mais forte para a primeira ou para a segunda. Estimulamos os hospitais a botar uma UTI a mais.

Isso é uma política de incentivo. Nós generalizamos essa política de incentivo para muitas áreas. E funciona. É o chamado incentivo material, que funciona quando bem aplicado, sempre que não vire uma coisa eterna, porque aí deixa de ser incentivo. Incentivo tem que ser algo temporário em função de determinadas metas que se deseja alcançar.

A outra questão que nós fizemos na média complexidade foram os mutirões.  Uma parte do pessoal da saúde, inclusive os petistas, apenas uma parte, ficaram contra. Porque aí tem aquele velho tró-ló-ló: o sistema tem que ter capacidade para atender normalmente. Estou de acordo. Só que enquanto não atende, enquanto não consegue atender na rotina, nós vamos ter trabalho. 

Nós fizemos, por exemplo, mutirão de câncer do colo do útero. Exames nacionais. Uma campanha, diga-se de passagem, modéstia a parte, que fez porque eu impus, porque a direção do Instituto Nacional do Câncer era contra. Eu tive que me meter no assunto sem entender nada de saúde. Eu mexi naqueles aparelhinhos. Nem me lembro mais; um exame de citopatologia, porque diziam que não tinha capacidade. Enfim, acabamos fazendo, porque também vinha um argumento que sempre me parece cínico, de dizer: – Não, não tem capacidade nenhuma de atendimento. Então, porque não temos capacidade de atendimento não vamos diagnosticar? Isso é o cúmulo. Quer dizer, se uma mulher com câncer… é melhor não descobrir, porque ela não vai poder ser atendida? Não tem cabimento. Quer dizer, cria o problema depois para o atendimento, mas a gente vai forçando.

E fizemos isso também com diabetes, com hipertensão, fizemos com cirurgias, com oftalmologia, fizemos da catarata, fizemos da hérnia, próstata, varizes, uma série de áreas. E funciona esse mutirão, funciona muito bem e deve ser uma prática permanente, porque vai tirando o atraso. Não é que substitui. Nós provamos que na área de oftalmologia ajudou. Quer dizer, aumenta o piso, porque tem mais gente bem treinada. A gente comprou equipamentos de laser para derreter – não sei se estou sendo muito primário nisso – que derrete a gordura que fica no fundo do olho. É isso? É um aparelho que o sujeito que tem diabetes vai lá, coloca o laser e derrete alguma coisa, o laser esquenta. Mas a gente comprava os aparelhos.

Aumentou a capacidade do sistema. Tem mais treinamento, tem tudo. E chegamos a fazer para índio. Foi gente aqui da Universidade Federal de São Paulo atender índio com catarata na Amazônia. Então, esse foi um expediente para melhorar o atendimento da média complexidade. Aliás, houve outros tipos de ações, por exemplo, na área da saúde da mulher, mas eu vou saltar porque está se tornando demasiado extenso.

Na alta complexidade, nós abordamos, entre várias outras coisas, a questão dos transplantes. Fizemos uma coisa que foi crítica nesta matéria: aumentar o dinheiro pago pela captação de órgãos. Porque ao contrário do que se pensa – e é razoável pensar o que eu pensava – o estrangulamento da oferta de órgãos não é só porque as pessoas não doam. É porque não se remunera o hospital que extrai o órgão.

Mesmo que ele não faça o transplante, porque só alguns hospitais podem fazer, ele é o captador. Então, nós aumentamos bem o pagamento. Eu não me lembro quanto, mas aumentou muito o pagamento. E aumentamos os recursos. De maneira que os transplantes, em pouco tempo, saltaram de 5 mil para 15 mil – 12 mil em 2003 e chegou a 15 mil em 2006 – aí também quimioterapia, uma série de questões que nós avançamos.

O quarto bloco é o financiamento do sistema. Eu, na Constituinte, me opus – eu tinha peso nessa área – a todas as vinculações de recursos. Mas perdi. Por exemplo, eu me opus à vinculação da educação. Por quê? Porque a vinculação vinha da época da ditadura. Num regime democrático, o Congresso vota em orçamento, tem as prioridades. A cada ano, vai se estabelecendo. Colocar na  Constituição é muito rígido, acontece que a saúde vinculou, a educação vinculou, a previdência vinculou, o funcionalismo público vinculou. Quer dizer, ficou tudo vinculado, menos a saúde.

A saúde virou um verdadeiro pernil, um filet mignon, para qualquer reajuste fiscal ir lá e comer um pedaço. Quer dizer, porque é de onde dá para tirar. Então eu passei a defender a vinculação, até um dia em que não tenha mais nenhuma vinculação. Eu topo não ter mais vinculação nenhuma, mas se não tiver nenhuma. Agora, se vai ter para tantos, porque não vai ter para a saúde? E aí trabalhamos para isso. Aliás, por que?  Para pegar os Estados. Porque dos Estados, São Paulo gastava 9%, mais ou menos na receita. Mas tinha Estados que gastavam 3, 4. Um escândalo. Então nós fizemos uma emenda estabelecendo piso único para todos os Estados de 12%. Os municípios, 15, praticamente a totalidade gasta isso. E, no caso da União, vinculando ao PIB do ano anterior. Cresce o PIB do ano anterior e mais a inflação, é o PIB nominal: é o que tem que reajustar o gasto de saúde.

E conseguimos aprovar isso no Congresso, apesar da resistência dos governadores e do Senado, especialmente. O que mostra que nós estávamos certos. Esta foi a questão básica do financiamento. Qual é o problema que enfrenta hoje o financiamento? Alguns Estados, como é o caso de São Paulo, cumpriram e cumprem. Outros não cumprem. Começa por aí. Há um desvio de finalidades. Muita despesa que não é da saúde passou a ser contabilizada como despesa de saúde. Por exemplo, o Garotinho aprontou isso no Rio de Janeiro para qualquer coisa: distribuição de dinheiro, qualquer coisa assim. Tudo era da saúde. E o governo federal começou a pagar Bolsa Família e aposentado do Funrural com o dinheiro da saúde. Como disse o atual ministro, tinha uns R$ 8 bilhões que chegaram a ser desviados por aí, do dinheiro da saúde.

Por isso, está sendo debatida agora a questão da regulamentação da lei. Porque eu preferi deixar tudo para a lei. Ou seja, pôr na Constituição e nas disposições transitórias, dizendo: isso aqui vale até ter uma lei. Mas a Constituição garante uma vinculação. Por quê? Porque a lei poderia ser mais flexível. Mas o atual governo evitou que essa lei fosse votada. O prazo era 2004, até hoje não foi, está em discussão agora no Congresso Nacional.

Agora, o fato é que o Brasil não gasta pouco em saúde, apesar de tudo. Se vocês somarem os gastos privados e os gastos públicos, deve dar uns 6%, mais ou menos. No Canadá, por exemplo, é 7%. Na Inglaterra é 7%. O Canadá é o melhor sistema de saúde do mundo, na minha opinião. Os EUA gastam 14% e mesmo assim têm 40 milhões de pessoas que não têm nenhuma proteção.

Aqui, há o problema da utilização dos recursos. Na área privada, é basicamente o concentrado no extrato de maior renda. Na área pública, o gasto ainda é muito deficiente, preocupação com furtos, preocupação com economicidade e tudo mais. Temos um conjunto de preocupações. Não é só colocar dinheiro, não. De repente, pode dobrar o dinheiro e continuar tudo parecido. Quer dizer, a questão é como gastar o dinheiro bem. Esse é o ponto essencial.

Bem, o ultimo tópico é dos elementos de gestão e controle. Nós, por exemplo, fizemos de novo inovações em matéria de insumos da saúde, medicamentos e outras coisas. Como? Fazendo banco de preços, inclusive com concorrência para ver quem entra no banco. Então, não dá para obrigar o Estado e o município a comprar desta empresa, mas dá para induzir a que compre pelo menor preço para a concorrência pelo padrão que o governo federal fixou. Essa é uma questão muito importante e, claramente, ao setor. Isso permitiu uma redução fortíssima de gastos, da ordem de R$ 500 milhões só em medicamentos, em três anos.

Ao mesmo tempo, de algumas coisas nós abdicamos, como, por exemplo, a produção centralizada de medicamentos. Nós preferimos descentralizar e dar dinheiro aos Estados e municípios. Criamos o programa Um Real, Um Real, Um Real. Um real a União, um real o município, um real o Estado. São Paulo centralizou no Dose Certa. Outros Estados não, aí depende de cada um. Mas por quê? Porque a maior parte vai fazer dinheiro, vai ter desvio, vai ter problema, etc. Mas menos do que teria se fosse tudo concentrado em Brasília. Até porque, pouco a pouco, o controle social nesse assunto vai aumentando. 

Na verdade, toda a gestão nós caminhamos para descentralizar. Hoje, o Ministério da Saúde tem muito pouca ação centralizada. Isso já vinha vindo de antes, inclusive a gestão do Jatene pisou no acelerador. Mas nós completamos isso, esse processo. hoje, o Ministério da Saúde tem meia dúzia de hospitais no Rio de Janeiro e em Complexos Conceição, que é grande como o HC de São Paulo e em Porto Alegre, que é bancado pelo governo federal. Mas no geral é tudo Estado e município. No geral é gestão descentralizada e os elementos de controle ainda são deficientes.

Nós chegamos a fazer uma coisa, que nós estamos pensando em fazer em São Paulo também: mandar carta aos usuários do SUS. A senhora foi atendida, eu falo senhora, porque mulher reclama e homem não. Homem fica bravo, mas não vai atrás. Mulher protesta. Então, nós começamos mandando cartas “A senhora foi atendida no SUS tal dia, em tal hospital. O tratamento custou tanto. Se tem alguma coisa errada, se comunique de volta. Com porte pago para devolver ou telefone 0800. Isso funcionou, até porque começamos a fazer aleatoriamente, ninguém sabia para onde ia. Aquele caso do prefeito que foi preso porque tentou comprar as cartas. É verdade, em um município do Amazonas, tentou comprar para escapar do controle. Eles não fazem mais isso, mas são formas, vocês podem achar meio … Mas não é algo muito complexo e  muito eficaz, gera o temor no conjunto do sistema. E o temor é ótimo, pode parecer insano. O temor para ser pego uma irregularidade é fundamental. Esse é um temor sadio, um temor benigno, mas foi deixado de lado, praticamente. Enfim, eram formas de forçar o controle.

Para que se tenha uma idéia, aqui em São Paulo, entre 2003 e 2006, inclusive com pregões de contas públicas, a economia com cerca de R$ 12 bilhões gastos  foi de 42%. Ou seja, R$ 4,5 bilhões de economia. Na verdade não economizou, já que esse dinheiro foi gasto também, está certo? Mas foi gasto com algo a mais, dá para fazer mais coisa. Por exemplo, só em medicamento de alto custo, já economizamos R$ 3 bilhões e nos vários outros itens também.

Enfim, esses são os cinco (……….) ser secretário da Saúde. É verdade. É muito mais fácil ser secretário estadual da Saúde do que ser secretário municipal da Saúde.  Muito mais fácil ser secretário municipal do que diretor de um hospital. E por aí vai. Por quê? Porque quando a gente está na ponta é que o problema pega.  Porque é uma relação direta com as pessoas. Uma coisa que eu não consegui avançar e que nós estávamos começando a desenvolver foi a questão da humanização no atendimento. Eu vou querer retomar aqui em São Paulo, porque qualquer pesquisa aqui mostra que esse é o problema número um. Mais que a fila, mais que a falta de médico, é a falta de humanização do atendimento médico.