Acesso à cultura

Folha de S. Paulo

qua, 20/01/2010 - 8h41 | Do Portal do Governo

O vale-cultura deve frustrar as expectativas. É hora de desenvolver uma política de acesso amplo aos bens culturais

Durante anos o governo federal entendeu que uma única lei bastava como política cultural. Por meio de incentivos fiscais, foram injetados bilhões na produção e na difusão.

Os resultados dessa política estão aí. De um lado, o enorme crescimento da atividade cultural. Shows, cinema, teatro, exposições de todos os portes.

Livros, circo e dança. Uma verdadeira indústria cultural. De outro, os preços dos ingressos elevados e um enorme contingente da população sem acesso à cultura.

Como quase todo o recurso destinado ao fomento cultural está na produção, os artistas realizam suas obras, porém encontram desafios para chegar ao público. Os aluguéis dos teatros e o custo de lançamento de um filme, por exemplo, são altos. Portanto, os ingressos são caros.

Em pesquisa, a “nova classe C” diz que o acesso a produtos culturais é sua maior carência. Claro, um trabalhador que recebe R$ 1,5 mil terá dificuldade em gastar R$ 60 para ir ao cinema. Considerando dois ingressos a R$ 20, estacionamento e pipoca, esse é o custo para um casal. O valor sobe se o desejo for ir ao teatro.

Ora, se a quase totalidade da produção cultural do país é feita com recursos públicos, precisamos garantir que a população tenha acesso a ela.

Essa seria a intenção do vale-cultura. O projeto, bem-vindo, deve frustrar as expectativas, já que apenas uma parcela restrita terá acesso ao vale. Como as empresas têm de pagar parte do valor, isso deve fazer com que somente as grandes companhias utilizem o benefício. Assim, essa iniciativa deve resultar em uma pequena classe de “com vale” ao lado de uma enorme quantidade de “sem vale”.

Da maneira como está previsto, o uso dos vales será em bens culturais de massa: os blockbusters de Hollywood, os megashows, os espetáculos da Broadway. Faz sentido usar recursos públicos para aumentar ainda mais a renda de atividades altamente lucrativas? Temos que estimular a diversidade cultural, e não concentrar ainda mais os recursos.

E, não menos importante, não por preconceito, mas por conceito, acredito que recursos públicos não podem fomentar espetáculos estrangeiros.

Iniciativas testadas mostram que é possível investir no subsídio direto do consumo cultural. Um exemplo: aos cinemas que exibam filmes nacionais a R$ 3, o Estado paga outros R$ 3.

Dessa forma, aquele casal gastaria R$ 26. Feito em larga escala, essa ação levaria enormes plateias de volta aos cinemas. O aumento geométrico de público compensaria a redução do preço dos ingressos. Com outros números, isso pode ser aplicado ao teatro, à dança, ao circo etc.

Outra questão que merece atenção é o acesso à diversidade. Com altos preços, o público tende a ser conservador nas escolhas, já que quer satisfação garantida. Assim, grande parte da produção cultural não é vista. Com preços baixos, quem já consome arriscaria mais. E, mais importante, milhões de cidadãos tornar-se-iam consumidores culturais de fato.

Em São Paulo, o governo Serra experimenta medidas nessa direção. A Secretaria da Cultura criou o Vá ao Cinema. De março a novembro, a cada mês, foram escolhidas 20 cidades com sala de cinema. Essas salas exibiam filmes nacionais inéditos nas cidades. O governo distribuía 10 mil vales na rede pública de ensino. Com o vale, os jovens podiam ir ao cinema, em qualquer sessão, e o exibidor ganhava R$ 3 por vale trocado.

Dos cerca de 2,4 milhões de vales distribuídos, mais de 2,1 milhões foram utilizados. Além de formar público, o programa injetou recursos que ajudaram a manter salas abertas e ainda possibilitou que filmes nacionais chegassem a novas cidades, alcançando mais público. Outro exemplo foi o Vá ao Teatro.

Na cidade de São Paulo, entre outubro e novembro, ingressos para cerca de cem espetáculos foram vendidos a R$ 5. Em menos de 40 dias, quase 50 mil ingressos foram vendidos. Os produtores recebiam, além dos R$ 5, um adicional da Secretaria da Cultura.

Esses exemplos mostram a fome de cultura da população. Muitos espetáculos e filmes beneficiaram-se, mostrando que o interesse do público é diverso quando tem chances de acesso.

Foram investidos R$ 7 milhões, e o resultado, tanto do ponto de vista cultural como social, é enorme. Mais de 2 milhões de pessoas com acesso ao cinema e ao teatro.

É hora de desenvolver uma política de acesso amplo aos bens culturais, incluindo milhões de pessoas nesse mercado consumidor. É hora de mudar o foco para o público. Na sua formação e fruição, oferecendo diversidade e qualidade.

André Sturm é coordenador de Fomento e Difusão da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo