Jabuti para dois casos de paixão

O Estado de S. Paulo

sex, 06/11/2009 - 8h10 | Do Portal do Governo

Livros de Moacyr Scliar (ficção) e Marisa Lajolo (não ficção) são melhores do ano 

A paixão em suas formas distintas foi a grande vencedora do Prêmio Jabuti de literatura, cuja entrega ocorreu na noite de quarta-feira, na Sala São Paulo. “Fui tomado por sensação muito forte quando escrevi essa história”, contava Moacyr Scliar sobre o romance Manual da Paixão Solitária (Companhia das Letras), eleito o Livro do Ano de Ficção. Próximo a ele, estava a pesquisadora Marisa Lajolo. “Monteiro Lobato foi um escritor mágico, pois todos gostam de reverenciá-lo e premiá-lo”, dizia ela, carregando o troféu do Livro do Ano de Não-Ficção por Monteiro Lobato: Livro a Livro (Editora Unesp/Imprensa Oficial), organizado por ela e João Luís Ceccantini. 

Cada premiado recebeu, além de um troféu dourado, a quantia de R$ 30 mil. Antes, já haviam faturado outro Jabuti (de cor de chumbo) e mais R$ 3 mil por vencerem em suas categorias, romance e livro de teoria ou crítica literária. E ambos já previam os dividendos pela conquista. “O Jabuti tornou-se o Oscar literário do Brasil”, comentou Scliar. “Saio daqui convencido de que minha carreira como escritor teve algum sentido.” 

Autor de uma vasta obra, que compreende 63 títulos entre contos, romances, crônicas, ensaios e ficção infanto-juvenil, Scliar contou que, ao escrever Manual da Paixão Solitária, foi tomado pela força da passagem bíblica, que inspirou sua história. “Eu só escrevo sobre o que gosto e sobre assunto que vai interessar o leitor, mas, nesse caso, o arrebatamento foi maior, senti-me extremamente motivado”, recorda-se o escritor que, leitor assíduo da Bíblia, busca ali fonte para suas histórias. 

Scliar garantiu que não se sentia favorito para a escolha, mesmo na confortável posição de autor do melhor romance do ano passado. “Era uma competição árdua e com vários favoritos.” De fato, sua vitória resultou de uma boa briga com Milton Hatoum, classificado em segundo lugar na categoria, com o livro Órfãos do Eldorado (Companhia das Letras). 

A vitória, dividida com a mulher Judith (“Um escritor sempre necessita da presença feminina por perto”), motivou o escritor de 72 anos que, para justificar a fama de profícuo, já prepara um novo romance. Segundo ele, vai se chamar Eu Vos Abraço Milhões. “Trata-se de uma história de um jovem em busca de seus ideais, ambientada nos anos 1930, no Rio de Janeiro, durante a era de Getúlio Vargas.” 

A facilidade narrativa, Scliar credita aos pais e à tradição do Rio Grande do Sul, onde nasceu, de incentivar a leitura. “Meu pai era um grande contador de histórias enquanto minha mãe criava condições para que eu pudesse ler.” 

Alternativa educacional que certamente seria aplaudida por Monteiro Lobato (1882-1948), cuja documentação vem sendo restaurada e digitalizada por uma equipe de pesquisadores da qual participa Marisa Lajolo. Pós-doutora em literatura comparada pela Brown University (EUA), ela acredita que o prêmio dá uma chancela no gênero infantil na área da teoria literária e da crítica. “O livro é fruto de uma pesquisa científica, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de SP (Fapesp) e pelo CNpQ. Eu acho que é um livro bastante representativo da maturidade da área de estudos da literatura infantil e de leitura no Brasil.” 

O livro, no entanto, é fruto de um trabalho maior e mais ambicioso, que pretende tornar público a documentação de Monteiro Lobato, avaliada em 2.500 papeis. “Há muita coisa inédita”, anuncia Marisa, que aponta retratos de família e fotografias, desenhos e aquarelas de autoria do próprio Lobato como destaques do acervo. Segundo ela, a iconografia permitirá estudar mais detalhadamente a história das campanhas de Lobato para a exploração do petróleo no Brasil. E, embora conte com importantes apoios (CNPq, Fapesp e Unicamp), o projeto só terá a ganhar com a visibilidade dada pelo Prêmio Jabuti. 

A cerimônia de premiação contou com a presença de quase todos os escolhidos, desde veteranos como Carlos Guilherme Mota, Milton Hatoum e Humberto Werneck, até jovens promissores como Vanessa Bárbara e Fabrício Carpinejar que, além de um par de óculos vistoso, trazia a palavra “bravo” grafada na nuca. 

Presidente da Câmara Brasileira do Livro, organizadora da festa, Rosely Boschini destacou a boa performance do mercado editorial diante da crise que marcou o final do ano passado e o início deste. “Entre 2006 e 2008, foram lançados 57 mil novos livros no Brasil, além de um bilhão de exemplares. Um sinal de vitalidade.”