Poesia nos trilhos

Folha de S. Paulo / coluna Gilberto Dimenstein

qui, 22/10/2009 - 8h40 | Do Portal do Governo

Versos de Drummond, Pessoa e Camões começaram ontem a ser espalhados nas estações do metrô 

Carlos Figueiredo estava muito longe de ser um aluno exemplar. Na marra, concluiu o supletivo, então chamado de madureza, mas não foi nem buscar o diploma. Não se empenhou em cursar uma faculdade. Agora, aos 65 anos, ele é autor da maior lousa já produzida, numa cidade brasileira, para ensinar poesia.

Depois de oito anos de espera -desde que apresentou um o projeto ao lado do artista plástico Antônio Petikov-, as poesias começaram ontem a ser espalhadas nas estações. Calcula-se que, apenas nessa fase inicial, cerca de 400 mil pessoas estarão de frente a versos de João Cabral de Melo Neto, Drummond, Camões, Fernando Pessoa.

No próximo ano, com mais espaços ocupados, calcula-se que sejam atingidos até 5 milhões, já que as poesias iriam também para as estações da CPTM. 

Figueiredo não se entrosou com a escola. Mas adorava ler. Gostava especialmente de poesia. “O que confortava um pouco minha mãe era que eu sempre tinha uma pilha de livros ao lado da minha cama.” 

A vida escolar dele era dificultada ainda mais pelo seu prazer em viajar. Saía de mochila pela América Latina, Europa e Ásia. Preferia as rotas exóticas pela Índia, Nepal e Irã.

“Aprender, para mim, significava ler e viajar.” Aos 22 anos, tinha uma agência de publicidade em Belo Horizonte. Vendeu a pequena empresa de publicidade para bancar mais viagens feitas à base de carona e mochila. “Gastava muito pouco.”

Como no “Poema de Sete Faces”, de Drummond, esse Carlos também era “gauche na vida” -deslocado. 

Vivendo de bicos em trabalhos de comunicação, tinha um ponto constante em sua vida além das viagens: as poesias. Num de seus livros, fez a coletânea do que considerou os cem poemas essenciais da língua portuguesa. Imaginava os versos, restritos aos poucos livros, espalhados pelas estações do metrô -para visualizar essa intervenção, Petikov desenhou o projeto. Era algo “gauche” em excesso para sensibilizar os engenheiros do metrô, mais sensíveis a cálculos matemáticos e obras.

A visão saiu do campo das alucinações por uma série de fatos que se conjugaram. O primeiro deles: Figueiredo foi trabalhar na Secretaria de Transportes Metropolitanos. O metrô já vinha desenvolvendo, nas estações, a disseminação de bibliotecas. Faltava, porém, o dinheiro -e, aí, entrou uma empresa privada. 

Para inaugurar ontem o projeto, Figueiredo optou por ler uma poesia de Drummond, chamada “Campos de Flores”. “Deus me deu um amor no tempo de madureza/quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme.” 

O único problema do projeto são os alunos, a imensa maioria dos quais simplesmente não tem interesse ou não entenderia essas palavras do poeta. “Os alunos não têm o hábito de leitura ou não entendem o que está escrito”.

São raros os estudantes que, como Carlos Figueiredo, são “gauche” na escola. Mas adoram ler poesias. 

Daí que seu projeto agora (quem sabe mais uma alucinação) é tentar convencer as escolas a ensinar as poesias em sala de aula -e, assim, os estudantes apreciariam melhor suas viagens pelo metrô.