Em Tatuí, crianças aprendem música com Villa-Lobos e Guarnieri

Durante concertos, atores e músicos contam aos alunos um pouco da vida e obra dos dois grandes nomes da história da música brasileira

qui, 22/10/2009 - 20h00 | Do Portal do Governo

A banda sinfônica toca O Trenzinho do Caipira, de Heitor Villa-Lobos. A plateia ouve atenta os sons dos instrumentos que lembram um trem sobre trilhos, e o ritmo crescente, a partida da locomotiva. Uma voz interrompe a execução: “Eu estava em Tatuí e escutei essa música, muito familiar…” “Mas quem é você?!”, pergunta o maestro, atordoado. “Eu? Eu sou o autor dessa música que vocês acabaram de executar”, responde uma simpática figura trajando terno, colete, chapéu, charuto numa mão e mala na outra. 

Da plateia, alguém grita: “Sabia que conhecia essa música, sabia que conhecia essa voz, crianças! Só podia ser de Heitor Villa-Lobos! Nossos estilos são bastante parecidos!” Desta vez é Mozart Camargo Guarnieri quem fala, enquanto sobe ao palco para cumprimentar afetuosamente o colega compositor. 

Foi assim, como num delírio do maestro que 2,3 mil crianças de escolas municipais e entidades filantrópicas de Tatuí presenciaram o encontro de dois grandes nomes da música brasileira, em mais uma série de concertos didáticos do Conservatório Dramático e Musical Dr. Carlos de Campos, de Tatuí. 

Enquanto a Banda Sinfônica do Conservatório executava obras de Villa-Lobos e Camargo Guarnieri, os dois personagens travaram animada conversa. Falaram das coincidências em suas vidas e obras, trocaram ideias sobre a cultura musical brasileira e as influências recebidas. Para o diretor do espetáculo, o maestro Dario Sotelo, a escolha dos dois compositores para serem homenageados deveu-se à grande identificação entre o trabalho de ambos, como, por exemplo, a forte atuação na música folclórica, e a adaptação de estilos regionais à linguagem sinfônica. “Além disso, Camargo Guarnieri nasceu em Tietê, cidade próxima a Tatuí, enquanto Villa-Lobos tocou aqui, há muitos anos, após retornar de sua primeira viagem à França. “Nada mais justo que trazê-los agora ao nosso palco”, justifica Sotelo. 

Preparação 

Os concertos didáticos são realizados desde 2007, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação. Nesta edição, o foco foi trazer aos estudantes com idades entre 9 e 12 anos um pouco da história de dois dos mais importantes compositores da música brasileira. Sotelo ressalta que a ideia principal do programa é levar crianças de escolas públicas ao conservatório para ouvirem um estilo musical ao qual normalmente não têm acesso. “Uma questão importante com a qual a gente lida atualmente e que temos de encarar é o fato de que o estudo de música não é oferecido nas escolas. E a música clássica exige experiência de audição, o que a maioria das crianças possui. Elas precisam ser habituadas não só a ouvir esse tipo de composição como também a frequentar teatros”, recomenda. 

Como preparação para os concertos didáticos, Sotelo reuniu-se, dias antes das apresentações, com os professores das escolas, explicou sobre as obras que seriam executadas e distribuiu CDs dos compositores. Às professoras, coube preparar os alunos, apresentar-lhes as músicas e trabalhar o tema em sala de aula. 

Gosto pela música  

Durante o espetáculo, os dois personagens fazem comentários sobre cada obra tocada pela banda, sob o ponto de vista histórico, musical e instrumental. “A nostalgia e a tristeza estão aqui, pessoal, no som destes instrumentos: oboé e corne inglês. Já a alegria, no som dos instrumentos de metal e percussão”, explica Guarnieri, ao mostrar ao público o tom melancólico expresso no movimento lento da sua Suíte Vila Rica. Enquanto isso, “Villa Lobos” caminha entre o público, senta-se ao lado de uma professora, segura sua mão junto ao peito e fica ouvindo, embevecido. 

“Foi maravilhoso”, admira-se a professora Marli Aparecida de Jesus Silva Santos, da Escola Municipal Maria Marcondes. Para ela, os resultados do trabalho desenvolvido em classe se fizeram notar pelo nível de interesse de seus alunos durante todo o concerto. “Eles viajaram na música. Acho que deveríamos ter pelo menos um professor de música em cada escola pública, como forma de motivar essas crianças, já que os cursos de instrumentos geralmente são pagos, e muitos alunos não têm recursos”. 

A maioria dos alunos de Marli, embora moradores de Tatuí, nunca tinha ido ao conservatório ou visto de perto um instrumento musical.  “Acho que isso se deve principalmente ao contexto social em que vivem e à falta de oportunidades. Se tivessem a possibilidade de ter contato com música e instrumentos dentro da própria escola, desenvolveriam naturalmente o gosto pela música de concerto”, conclui. 

Da Agência Imprensa Oficial