25 anos Programa DST/Aids

Evento aconteceu nesta segunda-feira, 17, em São Paulo

seg, 17/11/2008 - 20h11 | Do Portal do Governo

O governador José Serra participou, nesta segunda-feira, 17, da comemoração de 25 anos do Programa Estadual DST/Aids. O evento, realizado no Centro de Convenções Rebouças, na capital, contou com o seminário “Programa Estadual DST/Aids SP: 25 anos promovendo saúde e cidadania”. Na ocasião, Serra fez o seguinte pronunciamento.

Governador: Queria dar meu boa noite a todos e a todas e pedir desculpas. Por falar primeiro e por ter que sair antes. Nós oferecemos um jantar para o presidente da Coréia e eles têm um hábito estranho lá. Eles queriam jantar às 18h30min. Então, nós negociamos e conseguirmos ampliar para 19h30min da noite. Convenhamos, não é hora de se jantar, pelo menos para os meus hábitos. Nós vamos ter que sair correndo por causa disso.

Queria cumprimentar o nosso secretário Barradas. Mariângela, que é diretora do programa DST/Aids da Ministério da Saúde. A Maria Clara, que é coordenadora do Programa Estadual. O Jorge Harada, que é presidente do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de São Paulo. Maria Cristina Bacci, coordenador municipal do programa DST/Aids.

O Paulo Roberto Teixeira, que é presidente do evento que estamos fazendo agora. O Rodrigo Pinheiro, presidente do Fórum ONGs Aids. O João Vendito, presidente da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV. O Pedro Checker, coordenador da Unaids no Brasil. A Oneida, que é viúva do nosso querido homenageado, doutor João Yunes.

Os presidentes e representantes de instituições e organizações não-governamentais que trabalham na área. Representantes de associações de apoio e atendimento aos portadores do HIV e a todos os profissionais da saúde aqui presentes.

Bem, é com muita alegria ou satisfação que eu soube desta homenagem hoje, desta comemoração. Na verdade, com um programa que foi a semente daquilo que se fez no Brasil, não é? O Brasil é considerado como o país que tem o melhor programa anti-Aids entre os países em desenvolvimento do mundo. Esse trabalho, no plano nacional, é pilotado pelo Ministério da Saúde.

Mas, de fato, a experiência que permitiu fazer esse trabalho em escala nacional nasceu aqui em São Paulo, ainda no governo Montoro, quando o João Yunes era secretário estadual da Saúde. Daí a homenagem a ele, numa época em que a Aids ainda causava surpresa. A gente ficava surpreso com tantas pessoas, amigos, mesmo, que morriam diante de um verdadeiro fantasma que aparecia e do qual se sabia muito pouca coisa.

Isto enfatiza, aliás, a importância do pioneirismo que aconteceu aqui em São Paulo.

Eu tive a oportunidade, posteriormente, como ministro da Saúde, de me aproximar bastante do programa. Lembro que, no exterior, sempre chamou atenção o problema brasileiro, na comparação com outros países.

Se nós pegarmos outro extremo, que é o caso da África do Sul: no começo dos anos 90 a África do Sul e o Brasil tinham uma incidência não muito diferente. No entanto, ao longo da década, no Brasil se consolidou uma estratégia bem-sucedida, e na África do Sul foi uma tragédia.

Por quê? Eu até já mencionei isso outra vez, escrevi algumas coisas, mas um trabalho específico sobre isso, num período depois da eleição presidencial, quando estive nos Estados Unidos – passei um ano lá – que foi objeto de palestras.

Por que num lugar aconteceu uma coisa e no outro aconteceu tão diferente? Eu acho que, em primeiro lugar, porque na África do Sul começou, realmente, entre os mais pobres. E é incrível, porque foi um regime pós-apartheid, que vocaliza um pouco, muito menos do que a classe média, que é por onde começou no Brasil. Este é um fato de uma importância imensa, naquilo que aconteceu. Isto também é associado a uma questão cultural, porque no Soweto a disseminação da Aids sempre foi entendida por muitos como uma espécie de maldição espiritual, chamemos assim, e que não podia se combatida. Era inútil tentar combater com medicamentos tradicionais. Por incrível que pareça, este fator teve muito peso no que aconteceu lá.

E, também, um terceiro fator fundamental foi que não havia um potencial de militantes dentro da sociedade, como se revelou existir aqui, capaz de tocar esse trabalho. Na verdade, quem tocou o trabalho nesses anos todos não foram os governos. Foram os militantes da área. Para dizer muito francamente, o que eu fiz no Ministério foi mais ou menos seguir o que o pessoal que já estava engajado na luta dizia que a gente tinha que fazer. Primeiro, o Pedro Checker. Depois, o Paulo Teixeira.

Este foi um ingrediente crucial. Quer dizer, nós temos uma militância lúcida e combativa a respeito do que deveria ser feito. O que nós fizemos também foi aplicar a legislação: houve um projeto que virou lei, que foi do Sarney senador, prevendo a distribuição gratuita dos medicamentos. E o que nós fizemos foi materializar a lei, porque lei tem muita no Brasil, muita lei generosa. Mas na verdade, não viravam realidade. E nós fizemos virar realidade com muita determinação.

Para isso procuramos reduzir custos, ter uma política de medicamentos, que acabou funcionando. No limite, até mudamos, ou melhor, regulamentamos de forma diferente do espírito original a lei de patentes – a meu ver, a lei não era boa – que foi aprovada. Nessa época, eu estava no Senado e não estive muito de acordo, mas houve muita pressão dos Estados Unidos. Nós fizermos concessões além do necessário, fomos além daquilo que a Organização Mundial do Comércio preconizava. Mas a lei tinha ressalvas que nós aproveitamos para regulamentar, de uma maneira que passaria a permitir a quebra de patentes, em casos de medicamentos de interesse social; ou que não fossem produzidos durante três anos depois de registrada a patente no Brasil; ou que fossem de custo excessivo para o Tesouro.

Com esta lei, com esta regulamentação, nós pudemos também barganhar no caso de alguns medicamentos, porque notificamos a respeito de quebra de patentes. Na verdade, não quebramos. Bastou ameaça para funcionar e com isto, de alguma forma, também mudamos um esquema de patentes em escala mundial, porque na reunião de Doha, da OMC, nós conseguimos aprovar um dispositivo que permite – a qualquer país – quebrar patentes nos casos de interesse social. Isso foi uma coisa que mudou a questão de patentes em escala mundial – e foi, de fato, uma iniciativa nossa. Quando eu digo nossa, do Brasil.

O grande agitador foi o Paulo Teixeira, em escala internacional. Até aquele cantor de quem eu nem sou muito fã, o Bono, não estou falando mal do Bono, o problema é de gosto, até esse pessoal se engajou na luta.

Outro dia até encontrei o Zoellick, que era o chefe da representação americana, da USTR, que é uma espécie de ministro do Comércio Exterior, ele é presidente do Banco Mundial, e ele se lembrou daquela reunião. Eu até disse: É um paradoxo que, num governo republicano, o representante do governo republicano que se dizia o Bush tinha tido um financiamento muito volumoso por parte das fábricas de remédio para a sua campanha. No entanto, os republicanos cederam, enquanto os democratas do Clinton tinham pedido um panel contra o Brasil na OMC, contra a nossa regulamentação. Por ironia, foi no governo republicano que fez o acordo conosco depois, em Doha.

Mas isso foram circunstâncias, eu diria muito importantes, mas não decisivas. Realmente, o fator decisivo foi a militância organizada e responsável – eu diria assim, sem abusar da palavra, profissional – porque uma coisa não é contraditória com a outra. Militância, engajamento com profissionalismo no trabalho.

Portanto, esta homenagem, na verdade, deve ser a essas pessoas, a essa militância toda que, na verdade, deu não só deu sustentação, que iniciou a batalha e depois deu sustentação a ela.

Eu sempre defendi, por outro lado, a idéia da estratégia da redução de danos, que é uma idéia controvertida, até hoje, no Brasil. Ou seja, a gente admite que existe o problema e trata de minimizar o problema com o programa dado. Por exemplo, com relação à questão do uso de drogas.

Não é uma coisa consensual que deva se entregar seringa nova, enfim, que deva se fazer um tipo de tratamento que pressuponha que as pessoas não vão se comportar 100%, como a gente gostaria de que se comportassem, mas vamos minimizar os danos dentro de um determinado contexto.

Isto vale para muitas coisas, desde logo, não apenas para Aids e não apenas para a área de saúde. Mas eu acho que esta estratégia também ganhou muito mais aceitação, esse tipo de trabalho. E também o trabalho que envolve os próprios portadores do vírus, porque é óbvio que se eles tiverem atenção, tiverem organização, tiverem convivência, assistência, vai ser muito melhor do ponto de vista da sua qualidade de vida e muito melhor do ponto de vista de minimizar a transmissão da doença, é óbvio.

Portanto, este é um trabalho muito abrangente. A luta contra a AIDS no Brasil não está focalizada apenas na prevenção, mas também no tratamento. No tratamento não apenas de medicamentos, mas também na assistência psicológica e na convivência. Enfim, na integração na sociedade, dentro de um padrão de normalidade. Acho que todo esse trabalho contribui nessa direção.

Esses foram, em minha opinião, os fatores que levaram a que a luta fosse bem sucedida. Mas ela não acabou, evidentemente. Eu estava lendo no jornal, hoje ou ontem, que agora há um problema entre idosos. O meu receio sempre foi que a questão da Aids, com o progresso dos medicamentos, fosse virando uma espécie de diabetes. A pessoa tem e fica vivendo a vida inteira bem. Não é o receio disso, pelo contrário, isso é um ponto positivo. Mas a desmobilização. “Bom, se eu pegar Aids, eu tomo o remédio e continuo tendo uma vida normal”.

Esse é um risco tremendo dentro da sociedade e é a antiprevenção, está certo? Se pega, como dizer, vou comer uma comida que me dá acidez, tomo um anti-ácido. É o que eu faço, aliás, pessoalmente, às vezes. Não, eu tomo antiácido, mas mato a vontade de comer chocolate. Mas isso é um perigo muito grande.

Outra zona perigosa é a das mulheres, que têm maior propensão fisiológica, são mais vulneráveis ao contágio, por um lado. E ao desinteresse e à indiferença dos homens, como vetores de transmissão que eles são.

Hoje eu li a respeito do pessoal de mais idade, que tende a ser menos cuidado, acima de 50 anos e que além do mais aumentou seu ativismo sexual, chamemos assim, graças aos novos medicamentos que estão aí no mercado.

Eu só conheço um, mas parece que já tem uns quatro ou cinco. Eu conheço o mais famoso, não vou falar aqui para não fazer o merchandising, mas, enfim, a gente vê que é um problema que vai se renovando. Da mesma maneira que talvez a ação federal não tenha sido – ao longo desses anos todos – tão consistente quanto foi naquele período anterior a 2002. No dinamismo, na continuidade. Creio que nos últimos anos está melhorando nesse sentido, mas ao longo de todo o período, eu sei que houve problemas.

Mas a própria mobilização existente, que permanece, ajuda que as políticas se mantenham. Aliás, uma condição essencial, sempre, para uma política dar certo é a sua continuidade. A continuidade é o segredo do sucesso na área pública. Não é a única condição. Digamos, não é uma condição suficiente, mas é uma condição absolutamente necessária e – graças a Deus – ela tem sido preservada.

Bem, eram essas as palavras que eu queria dizer aqui, fazendo homenagem a memória do João Yunes, que foi meu colega de secretariado do governo Montoro, quando eu era secretário do Planejamento, eu era o secretário do Planejamento Pró-Saúde – como as pessoas da época podem testemunhar – apesar da minha fama de mão de tesoura da época.

Aliás, foi quando nós começamos o Programa Metropolitano de Saúde junto com o Banco Mundial, focado na atenção primária. Eu lembro que na época fizemos isso, a partir da Secretaria do Planejamento. O Seixas estava comigo e lembra. Acho que foi você que começou a tocar. Não foi? Mas foi lá, você estava lá. E o Yunes era um precursor em muita coisa. Depois que eu aprendi mais a respeito de saúde, vi como ele, realmente, foi precursor em muitas coisas. E tive também o privilégio de tê-lo como secretário de Política de Saúde no Ministério.

Queria, também, homenagear aqui o Pedro Checker, que foi quem eu encontrei inicialmente no Ministério, quando eu cheguei. E depois, o Paulo Teixeira. A dívida que o Brasil tem para com os dois é imensa.