Especial: a vida de Murilo, o menino que foi salvo por um doador

A solidariedade de pessoas que doam seus órgãos para que outras continuem a viver faz parte do cotidiano do Incor e suas equipes médicas

ter, 08/08/2017 - 15h03 | Do Portal do Governo

No dia 8 de maio de 2015, Murilo, sua mãe Adriana Estefanini Gonçalves e o avô dele estavam na Rodovia Castelo Branco vindos de Marília rumo à São Paulo, onde o menino, então com apenas 7 anos, deveria fazer um transplante do coração no Instituto do Coração (Incor). Mas o trânsito estava parado e se ele chegasse atrasado teria de entrar novamente na fila por um doador. O pânico tomou conta dos adultos.

Murilo apresentava um quadro de cardiopatia congênita. Adriana e o marido descobriram a doença quando o menino começou apresentar sintomas de cansaço intenso e vermelhidão em um dos lados do rosto. A doença evoluía muito rápido e ele foi encaminhado para um consulta com a Dra. Estela Azeka, no Incor em São Paulo. Murilo recebeu o diagnóstico de miocardiopatia hipertrófica e o transplante era o único caminho para salvar sua vida.

Quando soube que era necessário o transplante, os pais ficaram apreensivos, pois sabiam das dificuldades de encontrar um doador com um órgão compatível. Mas a sorte estava com Murilo.

Após cinco meses e meio de espera, Adriana foi surpreendida por um telefonema de madrugada para avisar que um doador havia sido encontrado: “Recebemos a notícia por um telefonema da Dra. Estela às cinco da manhã. Ela disse que deveríamos estar em São Paulo até as dez da manhã daquele mesmo dia. Pulei da cama de madrugada e fomos direto para a casa do meu pai”.

Na época, Adriana não dirigia e pediu que o pai os levasse: “Eu não dirigia, então pedi a ele que nos levasse para São Paulo em seu carro. Mas nas proximidades de Sorocaba, percebi que o trânsito estava parado. Foi quando telefonei para o 190 para pedir um helicóptero da Polícia Militar e o capitão Tasso respondeu ao nosso chamado. Combinamos de nos encontrar na estrada”.

“Eu fiz os cálculos e acertamos de nos encontrar em determinado horário num trecho da Rodovia Castelo Branco”, conta o major Marcelo Tasso, na época capitão, no comando da aeronave que levou Murilo. O combinado era se encontrarem na Quinta do Marquês, um posto de serviço localizado no Km 76. “Cinco a sete minutos depois estávamos a caminho do hospital para nos dirigirmos ao centro cirúrgico do Incor. Foi tudo muito rápido”, conta Adriana.

“Ainda bem que de matemática eu entendo e que os meus cálculos estavam corretos”, brinca agora o major. Durante o trajeto, ele procurava tranquilizar os integrantes do voo e vinha conversando com Adriana e Murilo. Descobriu que, como ele, o menino era torcedor do Palmeiras.

“No caminho ainda deu tempo de sobrevoar o novo estádio do clube”, conta Tasso. Para a equipe do Águia (nome da aeronave da PM) é incomum estabelecer laços de amizade com as pessoas resgatadas, relata o oficial da PM, mas no caso de Murilo se estabeleceu uma empatia entre o comandante do voo, o menino e os familiares.

Final feliz
Naquela manhã, o helicóptero deixou mãe e filho no heliporto do Hospital das Clínicas, em frente ao Incor. O Águia costuma ficar ali enquanto aguarda os chamados e pode ser visto da janela dos apartamentos de recuperação dos pacientes de cirurgias do Incor. Quando Murilo estava em um deles se recuperando da operação cirúrgica de transplante, Adriana viu o capitão e telefonou para que os dois pudessem conversar.

Em 2016, o Palmeiras foi campeão brasileiro. Dias antes do jogo, Murilo foi recebido pelo governador Geraldo Alckmin e recebeu dele ingressos para assistir à final do campeonato com seus pais. Tasso também foi ver o time se tornar campeão e gravou em vídeo as cenas do jogo para enviar ao menino.

No Incor, Adriana e Murilo foram recepcionados pela Dra. Estela Azeka, cardiopediatra da Unidade Clínica de Cardiologia Pediátrica e responsável pela área clínica do Programa de Transplante Cardíaco Infantil. Azeka cuida da parte clínica, ou seja, ela não participou da cirurgia de Murilo, mas atendeu o menino anteriormente e o acompanhou desde a recepção ao dia em que ele teve alta.

A cirurgia foi muito bem sucedida, relembra a médica. “Assim que os encontrei no saguão fomos direto ao centro cirúrgico para que o coração fosse transplantado no menor espaço de tempo possível em função do período de isquemia, que é o prazo entre a retirada dos órgãos e o transplante”. O normal é que esse período não seja superior a quatro horas, embora segundo a médica, a literatura registre até 16 horas de espera.

Hoje, segundo a mãe de Murilo, o menino, que completou 10 anos em 29 de junho passado, tem vida normal, apesar de possuir uma síndrome genética incurável que atrofia os músculos e que provavelmente foi a causa de sua cardiopatia. A doença se encontra estabilizada, mas faz com que ele necessite, em algumas ocasiões, de um aparelho para ajudar a respirar. “O coração dele está ótimo”, diz Adriana.

Doadores
A vida de Murilo e de outras centenas de pacientes que, como ele, receberam órgãos de seus doadores pelo Incor, são salvas por pessoas como Marcos Antonio Retzer e outras que manifestam o desejo em vida de serem doadores.

“A gente tem que ajudar as pessoas. Ele sempre foi muito radical nesse sentido e costumava repetir para a família que quando morresse queria doar todos os órgãos e nós, eu e meus dois filhos, concordamos e autorizamos a doação. Tudo foi muito rápido”, conta Ivete Silva da Cunha Retzer, viúva de Marcos, que morreu no dia 2 de agosto de 2015.

Graças à sua atitude e compreensão dos familiares, Marcos ajudou a muitas pessoas (segundo os médicos, até sete pessoas podem ser salvas por apenas um doador) com a doação múltipla de órgãos .

Anderson Magro foi vítima de um AVC (Acidente Vascular Cerebral). Tinha apenas 35 anos de idade e, como lembra seu pai, José Francisco Magro, disse à sua mulher que queria doar os seus órgãos se por algum motivo viesse a falecer. “A gente sente muito a falta dele e esse sentimento é amenizado em parte porque a gente compreende que ele não morreu, mas estendeu a sua vida para que a de outras pessoas continuasse”.

Para o pai de Anderson, a doação deveria estar prevista em lei. “Todos deveriam ser doadores, e assim acabaria esse problema de as pessoas ficarem na fila à espera de um doador. Muitas pessoas são desinformadas, não é por aí, tem tanta gente precisando. Ele (Anderson) era uma pessoa muito especial”.

É preciso que as pessoas superem as barreiras de diversas naturezas e manifestem aos familiares o desejo de serem doadoras. E esse desejo precisa estar bem explícito para a família.

Para Estela Azeka, a médica do Incor, é difícil convencer as pessoas no momento de extrema dor em que elas se encontrem em choque de aceitar a doação. “O ideal é criar uma cultura de doação independente da situação. Se você não está a todo o momento relembrando da necessidade, isso acaba sendo esquecido. A gente percebe uma predisposição maior sempre nos momentos do durante e do imediatamente após as campanhas de doação de órgãos. É importante conscientizar a população que doar é um ato de amor, e que ao doar um órgão a pessoa está ajudando outras que também estão passando por um momento difícil”, afirma Azeka.

A médica lembra que todo mundo pode ser um doador e quem vai determinar se o órgão é compatível é a equipe que vai fazer o transplante.

O Incor
Este ano, o programa de Transplante Cardíaco Infantil completou 25 anos – já o Incor comemorou 40 anos em janeiro de 2017. O primeiro transplante infantil aconteceu em 30 de outubro de 1992, lembra Estela Azeka. O paciente foi um bebê recém-nascido, que recebeu um coração novo porque a alternativa era a cirurgia Norwood. Por ser de alto risco, a cirurgia foi descartada pelos pais, que optaram pelo transplante.

De 1997 até 11 de julho deste ano, o Incor já realizou 213 transplantes em crianças e 456 transplantes em adultos. Desse total, apenas nove pacientes tiveram de fazer um novo transplante, segundo Azeka.

A partir de 2000, o Incor também passou a fazer cirurgias de transplantes de pulmão. Já foram feitos 319 transplantes do tipo, desde então (até 11 de julho deste ano). Em 2017, o Incor já realizou nove transplantes infantis, até o momento. “A média no exterior é de 10 transplantes anuais e nós já chegamos a fazer 15 transplantes durante o ano”, afirma Azeka, que regressou de Barcelona, Espanha, para participar de um encontro internacional de médicos.

Zerbini
Os transplantes são motivo de comemoração para o Incor, afirma a médica, pois apresentam resultados de sobrevida de 60 a 70% no período de dez anos, para mais de 100 pacientes transplantados. “Nossos resultados são semelhantes aos de outros grandes centros mundiais de transplante”, afirma a médica. Azeka diz que hoje os transplantes fazem parte da rotina do Incor, mas que foi preciso superar muitos desafios para chegar a esse estágio em que é possível salvar a vida de muitas pessoas.

O Incor está entre as principais centros de transplantes no mundo e essa tradição tem início na atuação de um de seus fundadores, o cardiologista Euryclides de Jesus Zerbini, o primeiro cirurgião brasileiro a realizar um transplante de coração na América Latina, apenas seis meses depois do pioneiro em cirurgias do gênero no mundo, o sul-africano Christian Barnard. Zerbini morreu de câncer, em 23 de outubro de 1993, aos 81 anos, no próprio hospital que ajudou a fundar.

Central de Transplantes de São Paulo e Sistema Estadual de Transportes: saiba mais sobre doação.

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