‘Diálogos na USP’ relembra os 50 anos da Passeata dos 100 mil

Especialistas debatem o marco ocorrido em plena ditadura militar, um dos atos mais simbólicos da época e que ainda reverbera na sociedade

sex, 29/06/2018 - 14h31 | Do Portal do Governo

O mais importante ato da sociedade civil brasileira contra a ditadura militar completou 50 anos nesta semana: a chamada Passeata dos 100 mil, que ocorreu no Rio de Janeiro. Entre estudantes, políticos, intelectuais e trabalhadores, milhares de pessoas tomaram a Avenida Rio Branco, no centro da cidade, para contestar o governo militar.

A manifestação foi pacífica, diferente de outras que aconteceram naquele ano de 1968, mas isso não impediu a ditadura de mostrar o ápice de sua censura com o decreto do Ato Institucional nº 5 (AI-5).

Meio século depois, porém, o que restou e ainda reverbera em nossa sociedade como fruto da Passeata dos 100 mil? Uma das heranças culturais desse momento histórico na vida política e social brasileira são os movimentos estudantis atuais.

Para discutir o tema, o programa ‘Diálogos na USP’ conversou com os professores Marcos Antônio da Silva, do Departamento de História, e Franklin Leopoldo e Silva, do Departamento de Filosofia, ambos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

O professor Leopoldo explica que as manifestações tiveram influência em acontecimentos políticos ocorridos na Europa, no período do Pós-Guerra, e no embate político-ideológico entre direita e esquerda: “Essas manifestações representaram uma mudança, tanto comportamental quanto política, e essas transformações mostraram-se ao governo como uma tentativa de organização de uma oposição que abrangia diversas classes da sociedade, e que isso culminou no endurecimento do regime, com o AI-5.”

O professor Marcos Antônio da Silva lembra que “essa diversidade da oposição ao regime, somada às mudanças sociais que acarretaram, tinha como reflexo o uso das artes e da cultura como formas de resistência, com hinos como Pra não dizer que não falei de flores, de Geraldo Vandré”.

Leopoldo conta que as heranças mais imediatas dos movimentos sociais da época, que têm na Passeata dos 100 mil seu maior representante, têm como grandes exemplos a batalha da Maria Antonia, travada entre estudantes da então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), atual FFLCH, que defendiam a esquerda, e estudantes da Universidade Presbiteriana Mackenzie, que defendiam a direita; e a invasão do Conjunto Residencial da USP (Crusp) pelo exército brasileiro, que levou ao fechamento do complexo de apartamentos universitários que dava teto a estudantes cujas famílias vinham de lugares distantes da USP.

Silva complementou que “esses acontecimentos, desde a repressão, com a destruição do prédio da União Nacional dos Estudantes (UNE), até as resistências através de militâncias e da arte, ajudaram a moldar os valores e juízos do que, hoje, são os movimentos estudantis”.

Em edição recente do Diálogos, que tratou sobre as heranças de 1968, Rafael Mafei Rabelo Queiroz, professor do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da USP, contou que, em muitos sentidos, o ano de 1968 realmente nunca acabou: “Hoje, assim como na época, as autoridades podem escolher entre reprimir ou não as manifestações políticas, e optar por este último traz um alto custo democrático, principalmente em relação à imagem do governo.”

‘Diálogos na USP’ faz parte de uma série de reformulações propostas pela Superintendência de Comunicação Social (SCS) da Universidade, que desde o ano passado procura expandir a divulgação da sua produção científica e cultural. Além da criação do ‘Diálogos na USP’, a Rádio USP (93,7 FM) teve a programação incrementada com a participação de 20 colunistas, que analisam semanalmente assuntos que vão de política a ciência. O programa completou recentemente dois anos no ar.

“Isso, para o nosso ouvinte, é muito importante e mostra também a pujança intelectual da Universidade”, diz Marcello Rollemberg, apresentador do ‘Diálogos na USP’. Para o jornalista, que dirigiu o Jornal da USP por 22 anos e atuou na TV USP por cinco, é importante que os pesquisadores da maior universidade da América Latina tenham espaço para discutir grandes fatos da ciência, do país e do mundo.