COVID-19: Laboratórios da USP reforçam diagnóstico no interior de São Paulo

Testes moleculares feitos por pesquisadores da universidade têm sido cruciais para o enfrentamento da pandemia na região

seg, 04/05/2020 - 15h19 | Do Portal do Governo
DownloadDivulgação/Luís Rimel/CTC-USP
Amostras de plasma no Hemocentro de Ribeirão Preto, que realiza estudo sobre transferência de imunidade para pacientes com COVID-19

O professor Carlos Ferreira dos Santos acorda todos os dias às 5h para um encontro marcado com o novo coronavírus. Ele toma café da manhã e segue para um laboratório da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da Universidade de São Paulo, onde uma nova série de amostras de pacientes com suspeita de COVID-19 (doença causada pelo novo coronavírus) aguarda para ser processada, conforme o docente relata ao Jornal da USP.

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A camisa social dá lugar aos equipamentos de proteção individual (EPIs) — luvas, avental, viseira, máscara — e assim o trabalho começa, sempre às 6h, para garantir que os resultados estejam disponíveis no mesmo dia.

Acompanhado da aluna de doutorado Thais Garbieri – igualmente paramentada, para evitar qualquer tipo de contaminação –, o professor realiza uma série de procedimentos bioquímicos para extrair o material genético do vírus das amostras e prepará-lo para ser levado, de forma segura, a um outro laboratório da faculdade, onde será realizado o exame de detecção por RT-PCR.

São cinco horas ininterruptas de trabalho e concentração extrema. “É como se estivéssemos atendendo pacientes contaminados em um hospital. Então, todo cuidado é absolutamente necessário”, relata ao Jornal da USP Carlos Ferreira dos Santos, que é diretor da FOB.

Rede de diagnóstico

O trabalho faz parte do esforço de apoio à saúde pública em curso nas unidades que integram a Rede USP de Diagnóstico da COVID-19 (RUDIC) no interior paulista. Além da FOB, em Bauru, participam o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP) e a Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA), em Pirassununga.

Juntas, elas já realizaram cerca de 1,8 mil testes moleculares de COVID-19 para pacientes e profissionais de saúde de mais de 50 municípios, sempre em colaboração com as autoridades de saúde locais e o Instituto Adolfo Lutz (IAL), a instituição de referência do Governo do Estado para esse monitoramento de doenças infecciosas.

A RUDIC, por sua vez, integra uma rede emergencial de diagnóstico de COVID-19 organizada pelo Estado de São Paulo e coordenada pelo Instituto Butantan.

Bauru

Em Bauru, a FOB realizou cerca de 300 exames nas últimas duas semanas, desde que os laboratórios credenciados passaram a receber amostras. “Para uma grande cidade como São Paulo, esses números podem parecer pequenos, mas, para o sistema público de saúde de Bauru, é um número significativo”, destaca Santos.

Cada leito hospitalar é essencial para o atendimento à população, especialmente nos municípios menores da região (onde a oferta é pequena), e por isso a rapidez nos exames é vital para garantir o bom aproveitamento desses leitos e o encaminhamento correto dos pacientes – confirmando ou descartando o diagnóstico de COVID-19 no menor tempo possível. “É uma ajuda muito preciosa”, reforça Santos. “Quanto mais pessoas puderem ser testadas, melhor”, acrescenta.

O IAL de Bauru recebe as coletas de 38 municípios da região e compartilha essas amostras com a FOB e o Instituto Lauro de Souza Lima (ILSL), também do governo do Estado. “Até teríamos condições de atender a demanda sozinhos, mas dividindo as amostras dessa forma o processo fica muito mais ágil; e assim conseguimos dar uma resposta mais rápida para a população”, salienta a diretora do IAL Bauru, Virgínia Pereira, ao Jornal da USP.

Os resultados da FOB são emitidos em 24 horas. “Por enquanto, os níveis de ocupação dos leitos estão em níveis aceitáveis, mas a adesão ao isolamento social está enfraquecendo e a tendência é de crescimento da epidemia; então é uma situação preocupante”, avalia Santos.

“Estamos todos em estado de alerta”, salienta o professor. O trabalho é financiado com recursos da própria faculdade e doações de empresas locais, que já ultrapassaram a marca de R$ 55 mil. Os recursos estão sendo usados prioritariamente para a compra de insumos essenciais, como kits de reagentes e equipamentos de proteção, indispensáveis para a realização dos exames.

“A maior honra para um pesquisador é poder colocar a estrutura de pesquisa da USP a serviço da população”, diz. Além de dirigir a FOB, ele é presidente do Conselho Deliberativo e superintendente interino do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC-USP), o Centrinho, que assumirá o atendimento pediátrico de pacientes do Hospital Estadual de Bauru, caso seja preciso liberar mais leitos para o tratamento de pacientes com COVID-19.

Pirassununga

Em Pirassununga, dois laboratórios de biologia molecular da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA), que já tinham a qualificação de biossegurança necessária (NB2) para trabalhar com o novo coronavírus, foram redirecionados para a testagem de COVID-19, em parceria com as autoridades de saúde locais.

Cerca de 300 amostras já foram processadas desde o dia 15 de abril, com 18 resultados positivos para COVID-19, segundo os professores Heidge Fukumasu e Helena Lage Ferreira, que coordenam o trabalho. O atendimento já contempla oito pequenos municípios da região, e outros dez estão em fase de negociação com a faculdade. As secretarias municipais de saúde decidem quem deve ser testado, fazem as coletas e enviam o material para a FZEA.

“Recebemos as amostras de manhã, fazemos o teste e damos o resultado no mesmo dia”, afirma Fukumasu ao Jornal da USP. Os diagnósticos são essenciais para orientar a conduta dos médicos nos hospitais e direcionar as políticas locais de enfrentamento da pandemia – não só no caso dos resultados positivos, mas também dos negativos.

Quando os hospitais são pequenos e os leitos são poucos, cada cama conta. “Se a gente consegue identificar que um paciente que está isolado, na verdade, é negativo para COVID-19, isso faz toda a diferença para aquele hospital”, ressalta Helena ao Jornal da USP. “É um sentimento de responsabilidade enorme”, afirma.

“Estávamos operando meio que no escuro antes dessa parceria”, diz ao Jornal da USP a coordenadora de enfermagem da Vigilância Epidemiológica de Pirassununga, Patrícia Mellario. Até então, todos os casos tinham de ser enviados para IAL em São Paulo. “Agora, temos uma visão melhor da real situação epidemiológica do município”, revela. Entre os oitos casos confirmados de COVID-19 em Pirassununga até agora, segundo ela, está o primeiro provável caso de transmissão comunitária (local) da doença, identificado no dia 24. “Sem esse teste da USP, não teríamos como saber”, relata Patrícia.

O interior paulista é um front de avanço da pandemia onde o número de pessoas infectadas pode crescer muito ainda nas próximas semanas, e os laboratórios da FZEA são os únicos capacitados a fazer esses exames moleculares na região de Pirassununga. Caso a demanda aumente, eles têm capacidade para fazer cerca de 150 testes por dia.

Não foi preciso adquirir nenhum equipamento novo – toda a infraestrutura e tecnologia necessárias já estavam presentes, graças ao trabalho de pesquisa científica que é realizado rotineiramente na universidade, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Em condições normais (fora da pandemia), o laboratório de Fukumasu se dedica ao estudo da biologia do câncer em animais e seres humanos, enquanto o de Helena é voltado à medicina veterinária preventiva contra doenças infecciosas e parasitárias.

Especialista em virologia e imunologia de aves, ela já trabalhou com vários vírus respiratórios perigosos, como o H5N1 e outros agentes causadores de gripe aviária. “Com todos esses que ameaçam pessoas, eu já trabalhei”, diz o pesquisador.

“Tem muita gente querendo fazer o que a gente está fazendo, mas tem de haver um treinamento rigoroso antes; não tem jeito”, diz Fukumasu. Os testes moleculares, de RT-PCR, podem detectar o vírus com grande precisão já nos primeiros dias de infecção.

Ribeirão Preto

A USP de Ribeirão Preto foi uma das primeiras instituições públicas a realizar testes moleculares de COVID-19 no interior paulista. Cerca de 1,2 mil exames já foram realizados desde 19 de março, com 13% de positivos, segundo o médico Rodrigo do Tocantins Calado, do HC-FMRP, que coordena os trabalhos da RUDIC na instituição. “Houve um aumento gradativo do número de exames diários, mas o número de positivos tem sido relativamente constante”, relata o profissional do Hospital das Clínicas ao Jornal da USP.

Os exames são realizados em dois laboratórios do HC-FMRP: o de virologia (do Laboratório Central do hospital) e o de biologia molecular (do Hemocentro RP). “São aproximadamente oito pessoas em cada laboratório, trabalhando sete dias por semana. Os resultados dos exames colhidos pela manhã são liberados no mesmo dia, e os exames colhidos à tarde têm o resultado na manhã seguinte. Em geral, os resultados são liberados em 12 horas”, descreve o professor, que é diretor científico do Hemocentro e responsável pelos laboratórios de Hematologia e de Análises Clínicas do HC-FMRP.

As amostras são de pacientes do próprio HC-FMRP e de outros hospitais e maternidades locais, além da Prefeitura e de outros municípios que integram a Regional de Saúde de Ribeirão Preto. Em uma entrevista recente à Rádio USP, Calado destacou que a realização desse trabalho só é possível graças a toda uma infraestrutura preexistente de equipamentos, instalações e profissionais qualificados do HC e do Hemocentro.

O Hemocentro também conduz uma pesquisa clínica sobre a transfusão de plasma de pessoas que se curaram da COVID-19 para pacientes internados com casos graves da doença. A ideia é que os anticorpos gerados pelas pessoas curadas ajudem aquelas que ainda estão doentes a combater o vírus — como um “transplante de imunidade”.

Dois pacientes já receberam transfusões, segundo Calado, e novos voluntários estão sendo recrutados para o estudo. “O laboratório de virologia da FMRP-USP, coordenado pelo professor Eurico Arruda Neto, tem feito a quantificação de anticorpos neutralizantes, com informações muito importantes para o entendimento da resposta imunológica à infecção e ao potencial efeito do plasma”, diz o médico.