O lugar geométrico dos problemas (03/08/08)

O Estado de São Paulo - domingo, 3 de agosto de 2008

ter, 05/08/2008 - 17h28 | Do Portal do Governo

O Estado de S. Paulo

Megacidades – Grandes reportagens

JOSÉ SERRA 

A Grande São Paulo (GSP) é uma das maiores metrópoles do mundo. São cerca de 20 milhões de habitantes aglomerados numa área de 8 mil quilômetros quadrados que abrange 39 municípios. Aí se concentra grande parte do que o Estado de São Paulo tem de melhor – oportunidades de trabalho e negócios, universidades e centros médicos de primeira linha, programação cultural inesgotável. Do outro lado da balança, no atacado, os principais problemas do Estado têm aí seu lugar geométrico – o espaço sobre o qual convergem com intensidade máxima desemprego, poluição, trânsito, violência, déficits de transporte público, saneamento, saúde e ensino básico de qualidade.

Às vezes, o acúmulo de problemas parece superar os atrativos e torna difícil perceber os avanços conseguidos. Quem nunca teve vontade de fugir para sempre da metrópole numa dessas tardes infernais, preso no trânsito debaixo de chuva?

Não me cabe apontar o dedo para as más administrações municipais que deixaram problemas se agravarem. Prefiro registrar progressos alcançados em áreas fundamentais e reconhecer problemas que teremos que enfrentar com mais empenho.

Eppur si muove. Apesar dos pesares, nos últimos anos, uma ação planejada do governo estadual tem permitido uma queda acentuada de índices de criminalidade. Desde o final da década passada até 2007, a taxa de homicídios caiu de 37,1 para 11,3 por 100 mil habitantes no Estado. Na GSP o declínio foi na mesma proporção, de 52,3 para 15,8 homicídios. Isto é comparável ao que se conseguiu em Nova York e Bogotá, casos consagrados de sucesso no combate ao crime.

A expansão da rede hospitalar estadual, desde os anos 1990, vem aliviando o déficit na assistência à saúde. O atendimento municipal também melhorou, notadamente na capital, com seus 11 milhões de habitantes. A periferia ganhou dois grandes hospitais nos últimos três anos, além de outros instalados ou ampliados em Barueri, Cotia e Ferraz. No mesmo período, na capital, foram abertas mais de cem unidades de atendimento ambulatorial (AMAs), reunindo consultas, exames, socorro a pequenas emergências e triagem para mais de 1 milhão de pessoas por ano. A distribuição gratuita de remédios – que era calamitosa – já inclui mais de 170 itens e é hoje muito bem avaliada pela população.

Poderia me estender sobre a expansão dos parques municipais, dos investimentos estaduais em saneamento básico, do ensino técnico, ou ainda sobre os avanços nas redes municipal e estadual de ensino.

A área que menos avanços objetivos tem tido – pelo contrário, parece piorar a cada ano – é a do trânsito, claro. Digo trânsito, e não transporte público, porque a insatisfação em relação a este provém diretamente dos engarrafamentos. No curto prazo, dá para prometer alívio, mas não há soluções mágicas. As ações têm de ser estruturais, envolvendo grandes massas de investimentos bem planejados.

 Primeiro, temos que completar o Rodoanel, a fim de evitar que um enorme volume de caminhões tenha que atravessar a GSP para ir, por exemplo, do interior aos Portos de Santos e São Sebastião. Só o Trecho Sul do Rodoanel, que ficará pronto no final de 2009, vai tirar cerca de 70 mil caminhões por dia das avenidas da GSP!

Segundo, precisamos investir na rede de metrô. Hoje temos 61 km. É muito pouco para uma metrópole deste tamanho. Estamos investindo ou vamos investir pesado na expansão da rede: 13 km da Estação da Luz ao Butantã, 4 km do Alto do Ipiranga à Vila Prudente, 4 km da Vila Prudente ao Oratório, 11 km do Largo 13 à Chácara Klabin. Em 2010 iniciaremos duas linhas: 10,5 km da Freguesia do Ó a São Joaquim e 12 km na Linha Vila Prudente-Carrão. Metrô significa rapidez, conforto, pontualidade e alternativa ao automóvel e ao ônibus – significa desengarrafamento.

Pôr a GSP nos trilhos não fica nisso. Dos 240 km de linhas da CPTM que cruzam a região metropolitana, em cerca de 160 km os antigos “trens de subúrbio” podem ser transformados em metrô de superfície. Também teremos os Expressos ABC, Leste e Aeroporto e o metrô leve para Congonhas.

Tudo isso exige esforço e dinheiro. Só o Trecho Sul do Rodoanel, que está sendo feito na máxima velocidade, custará R$ 4 bilhões! Como isso ainda é pouco, vamos usar de forma criteriosa, mas sem inibições ideológicas, concessões e parcerias com a iniciativa privada para começar já no ano que vem o Trecho Leste do Rodoanel.

Na expansão do metrô os investimentos superam os R$ 17 bilhões. Recentemente, a Prefeitura da capital decidiu somar forças com o Estado nessa empreitada, coisa que não fazia desde os anos 1970.

Mas apenas as receitas dos impostos estaduais e municipais não pagariam obras desse vulto. Como o governo tem mantido as contas bem arrumadas, tivemos sinal verde das autoridades federais e do Senado para tomar financiamentos do BID, Banco Mundial, Japão e BNDES. E queremos recorrer também a trocas de patrimônio já amortizado para acelerar investimentos (daí a idéia de privatizar a Cesp).

Os problemas estruturais da GSP, como das outras regiões metropolitanas do Brasil, não se esgotam em trânsito e transporte. Há outros de grande peso. Problemas políticos, para começar. A GSP tem metade dos eleitores do Estado, mas não mais de um quarto dos deputados estaduais e federais. No nosso sistema eleitoral proporcional, o voto nas regiões metropolitanas é muito pulverizado, não se concentra em candidatos locais como no interior. Este fenômeno se reproduz no Rio, em Recife, em Belo Horizonte. A perda de peso político das regiões metropolitanas tem óbvia conseqüência em sua influência na orientação dos investimentos. Esta é uma das razões pelas quais defendo a adoção de alguma forma de voto distrital no Brasil: além de aproximar representantes e representados, ele levaria à representação mais equilibrada das comunidades hoje diluídas no imenso colégio eleitoral que é o Estado inteiro.

Outro aspecto dessa questão reside na forma de distribuição do fundo de participação dos municípios, formado por 23,5% das receitas do Imposto sobre Produtos Industrializados e do Imposto de Renda. O critério leva em conta o fator população, mas só até 160 mil habitantes. Uma cidade com 2 milhões de habitantes recebe o mesmo que uma de 200 mil!

 Por último, pesa a ausência de autoridades metropolitanas efetivas, que se sobreponham em certas circunstâncias ao Estado e às prefeituras. Os 39 municípios da GSP têm sistemas autônomos de transportes, no mais das vezes inteiramente descoordenados entre si e com linhas interurbanas.

Os três problemas acima mencionados – sistema eleitoral, distribuição de recursos e autoridades metropolitanas efetivas – exigem soluções constitucionais. Dar-se conta de que eles existem e debatê-los representa, pelo menos, um passo inicial para se começar a resolvê-los. Que ingressemos pelo menos no começo do começo de sua solução.