USP: Técnica permite estudos com transgênicos sem violar lei

Equipe da Esalq e da Embrapa criou procedimento que possibilita analisar os riscos do algodão modificado sem inserir gene na planta

qui, 24/02/2005 - 20h08 | Do Portal do Governo

As restrições impostas pelo Governo Federal para frear o plantio de transgênicos em solo brasileiro, e que afetaram os estudos da área no País, fizeram com que pesquisadores buscassem novas soluções para avançar em suas pesquisas. Para trabalhar com algodão geneticamente modificado, uma equipe da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP de PIracicaba, coordenada pelo professor Ítalo Delalibera, criou um procedimento diferenciado de trabalho que permite que testes sejam realizados sem a presença das plantas.

O método formulado pela equipe, que atua na área de biossegurança, consiste em utilizar somente a toxina protéica que o algodão transgênico irá produzir contra a praga, sem o vegetal in vivo. ‘Criamos uma metodologia em que fazemos um teste preliminar sem inserir o gene na planta’, explica Delalibera.

A adaptação foi uma espécie de ‘drible’ nas limitações impostas pela legislação a partir de 2002, que impediu não só o plantio, mas também a importação e os estudos de análise de risco deste tipo de organismo. ‘Neste período, não foi feito praticamente nada aqui no Brasil’, afirma o pesquisador.

Biossegurança

Delalibera aponta que, ‘mesmo com a proibição, os produtores continuaram utilizando sementes modificadas, ilegalmente’. Fato este que incentivou a realização de pesquisas voltadas para a análise de risco de plantas transgênicas no controle de pragas, feitas pela Esalq e pela Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa), parceiras neste estudo. ‘Existem altos investimentos de empresas para se produzir plantas transgênicas. Em contrapartida, existem poucos grupos de pesquisa estudando quais os efeitos e possíveis impactos que podem ocorrer’, diz o professor.

Os trabalhos da Esalq visam complementar os realizados pela rede de biossegurança da Embrapa, coordenada pela doutora Deise Capalbo, que pretende desenvolver futuramente uma espécie de algodão resistente a insetos nocivos à plantação. Atualmente, os estudos estão em fase de levantamento de outros seres associados àquela biota e que potencialmente podem sofrer danos com o algodão modificado, tais como inimigos naturais, polinizadores e decompositores. ‘Se estes organismos forem atingidos, poderão ocorrer alterações em outros níveis tróficos na cadeia alimentar deste agroecossistema’, explica Delalibera.

No caso do algodão, por exemplo, algumas espécies de ácaros estudadas pelo grupo se alimentam do exudato secretado pela planta viva e também de ácaros fitófagos, atuando como predadores. Já outras espécies se alimentam das folhas que estão no solo – ácaros decompositores. ‘Todos estes organismos, que podem ser considerados bioindicadores pela abundância e pelas importantes funções que exercem no ambiente, são seres que têm chances de serem afetados’.

Há também a preocupação na possibilidade destes algodoais modificados polinizarem plantas de algodão ‘nativo’, o que representaria outra forma de contaminação transgênica. ‘É necessário estudar os possíveis efeitos destas mudanças para preservação da biodiversidade brasileira’, diz o coordenador do grupo.

O projeto está completando seu primeiro ano e tem duração de mais três. A previsão é de que neste semestre, após a regulamentação das pesquisas com transgênicos, o grupo já possa trabalhar com sementes transformadas importadas. Apesar de outros países já possuírem técnicas bem mais avançadas, o trabalho dos brasileiros ganha importância pelo fato de o ecossistema estudado possuir diferentes elementos e comportamentos. Hoje, é incerto se há risco ou não na introdução de sementes de algodão vindas, por exemplo, dos Estados Unidos, Austrália ou da China, onde mais de 60% desta cultura é transgênica.

Rafael Verísismo – Agência USP