USP: Programas assistenciais devem considerar vivências infantis

Assistência a jovens em situação de rua deve levar em conta suas necessidades emocionais

qui, 31/03/2005 - 17h32 | Do Portal do Governo

Disciplina e assistência, elementos em que se baseia a maior parte das organizações que prestam ajuda a crianças e adolescentes de rua, são insuficientes para o restabelecimento da saúde emocional e a integração social desses jovens. De acordo com uma pesquisa apresentada pelo psicólogo Rubens de Aguiar Maciel à Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, é preciso levar em consideração suas histórias de vida e necessidades individuais.

Partindo do pressuposto psicanalítico de que as condições vivenciadas durante os primeiros anos de vida são decisivas para a constituição psicológica do adulto, Maciel colheu depoimentos de cinco jovens com idade entre 15 e 19 anos que viveram nas ruas de São Paulo. O pesquisador os consultou a respeito das circunstâncias em que transcorreu seu desenvolvimento desde épocas precoces, buscando informações sobre as condições como recursos materiais e emocionais da família. Também foram realizados testes projetivos, capazes de evidenciar aspectos da personalidade e do caráter. ‘Todos os jovens consultados tiveram infâncias difíceis, que causaram falhas na estruturação de suas personalidades e uma série de dificuldades emocionais’, diz o psicólogo.

Cordão umbilical afetivo
Maciel constatou que alguns jovens vivenciaram sentimentos de rejeição quando pequenos, o que resultou numa espécie de ‘raiva do mundo e deles mesmos’. O pesquisador explica que o processo de maturação emocional está estreitamente ligado à qualidade do vínculo da criança com sua mãe, especialmente durante o primeiro ano de vida – a fase do ‘cordão umbilical afetivo’.

‘Os adolescentes apresentavam predominantemente um funcionamento mental infantil, caracterizado pelo imediatismo, onipotência e negação de responsabilidades. Para eles, é difícil, por exemplo, realizar tarefas que demandem tempo, dedicação e persistência’, afirma Maciel. ‘Crianças que a partir de seus vínculos precoces internalizaram um mundo que as rejeita e no qual não se pode confiar, podem perder sua vontade de viver. Tornam-se, então, mais sujeitos a riscos, como drogas e violência. Trata-se de uma auto-agressão’.

O psicólogo cita o exemplo de um jovem que, abandonado pelos pais aos dois anos de idade, fugiu da casa de uma tia aos oito. Na rua, foi conduzido a um abrigo por dois educadores. O jovem retomou os estudos, finalizou o segundo grau, encontrou um emprego e, quando entrevistado por Maciel, exprimia ambições intelectuais e profissionais. Entretanto, prestes a completar 18 anos, a perspectiva de deixar o abrigo (por força do estatuto interno) e as pessoas a quem havia se apegado fez com que ele vivenciasse novamente a sensação de abandono. ‘A possibilidade de perder contato com essas pessoas o levou a uma regressão emocional. Como resultado, ele voltou às ruas’, conta o pesquisador.

Novos modelos
Segundo Maciel, disciplina e assistência – modelos adotados pela maior parte dos programas governamentais e da sociedade organizada – são insuficientes para restabelecer a saúde dos jovens em situação de rua caso não haja uma atenção às necessidades psicológicas individuais. O pesquisador elogia os modelos baseados num retorno à família, como o programa Aldeias Infantis, concebido em 1949 pelo educador austríaco Hermann Gmeiner.

‘É importante que o governo promova estratégias de prevenção e promoção de saúde, fornecendo assistência emocional, material e informativa às mulheres gestantes e durante o primeiro ano de vida de seu filho’, afirma Maciel. ‘Tranqüilizar e auxiliar as mães é contribuir para a saúde de seus filhos’, defende.

Flávia Souza – Agência USP