USP: Problemas com trânsito guiam urbanização de São Paulo

Em São Paulo existem 4,5 milhões de automóveis

qua, 23/03/2005 - 18h03 | Do Portal do Governo

Congestionamento, poluição, estresse: o que mais se ouve de São Paulo é que a cidade não comporta volume tão grande de automóveis particulares e que deveria haver mais investimentos em transporte coletivo. ‘Cada vez mais a cidade, historicamente, se molda para receber o transporte individual’, afirma o geógrafo Jaime Oliva. Em sua tese de doutorado defendida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, ele mostra que o uso intenso de carros particulares altera o espaço da cidade e, em decorrência disso, as relações humanas.

‘Em São Paulo existem 4,5 milhões de automóveis, número muito superior a qualquer outra metrópole do mundo’, contabiliza o pesquisador. Em seu estudo, Oliva analisou estatísticas oficiais de trânsito, fluxos de pessoas e dados sobre empreendimentos imobiliários para concluir que São Paulo está construindo uma imensa garagem. Segundo ele, estão sendo construídas estruturas imensas para acomodar os automóveis, como estacionamentos e conjuntos residenciais, em geral, com mais de duas garagens, além dos complexos viários.

Subúrbios internos

Diferentemente de outras metrópoles mundiais, com destaque para as grandes cidades norte-americanas, São Paulo não sofreu um processo de ‘suburbanização’, ou seja, não se fragmentou fisicamente distribuindo sua população para regiões próximas ao centro. Esse processo acontece como reflexo da vontade de afastamento dos problemas que as cidades apresentam, como a violência, congestionamentos, encontros desejáveis, elitização etc.

‘Em São Paulo foi diferente: a vontade de afastamento resultou no uso intenso dos automóveis particulares e na construção de condomínios fechados que impedem o contato dos moradores com sua cidade há uma ou duas gerações’, explica o geógrafo. ‘São Paulo construiu seus ‘subúrbios internos’. Separou as pessoas mantendo-as fisicamente próximas.’

Uma hipótese para o não desmembramento físico da capital paulista é a falta de investimento em anéis viários que permitiriam o rápido acesso da população dos subúrbios para a cidade. ‘A construção desses anéis viários e dos condomínios afastados, como Alphaville, ainda é bastante recente’, diz.

Transporte público

O uso do automóvel particular faz parte do modo de vida da população brasileira. ‘Existe a crença e a aceitação ideológica de que a passagem para o setor privado representa ascensão social, como o uso de sistema de ensino, de saúde e de transporte particulares, ao invés dos públicos.’

‘Três automóveis e um imóvel com três garagens passam a ser um patrimônio, é um investimento para se movimentar pela cidade. Quem fez esse investimento não usa ônibus e metrô’, avalia o pesquisador. ‘Esse segmento da população que possui automóveis é o que tem poder de reivindicação, mas não interessa a ele o investimento em transporte público.’ Para Oliva, a cidade não pode ser vista como um palco, mas um ingrediente da sociedade, e nós somos atores do processo de sua transformação.

Mariana Delfini – Agência USP