USP: Dupla jornada prejudica qualidade de vida de adolescentes

Estudo realizado na Faculdade de Saúde Pública mostra como as jornadas de trabalho e de estudo podem causar problemas na rotina dos jovens

qua, 30/06/2004 - 20h54 | Do Portal do Governo

Uma pesquisa realizada no Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP reforça o argumento de que adolescentes que trabalham e estudam têm sua qualidade de vida prejudicada. ‘A dupla jornada prejudica os alunos na vida social, no trabalho e na escola’, explica a bióloga Liliane Reis Teixeira, doutoranda do Departamento e responsável pelo estudo.

Durante quinze dias, Liliane acompanhou 27 estudantes voluntários, do período noturno de uma escola pública da cidade de São Paulo, a fim de conhecer melhor o cotidiano e o sono destes jovens. Com o auxílio de diários de atividade, onde os estudantes preenchiam sua rotina durante duas semanas, e de um instrumento chamado de ‘actígrafo’ (que fica preso ao pulso do indivíduo na mão não-dominante), foi possível registrar a duração dos períodos de atividade e de repouso dos estudantes.

Uma das principais conclusões é que os alunos trabalhadores têm o sono prejudicado. A duração é significativamente reduzida, comparada com os estudantes não-trabalhadores. À primeira vista isto pode não parecer muito importante, mas é. Quando uma pessoa não dorme o suficiente, ela não descansa o necessário para que possa ter um bom desempenho, seja nos estudos, seja no trabalho. Isto pode levar a vários tipos de problemas.

A pessoa que dorme pouco pode sofrer com sonolência excessiva no dia seguinte, tendo problemas em manter-se atenta no trabalho e nas aulas. Não está excluída também a possibilidade de a pessoa sonolenta se envolver em um acidente de trabalho. Motoristas com grande sonolência, por exemplo, podem dormir ao volante sem perceber. Em longo prazo, dormir pouco à noite pode levar a uma deficiência na secreção do hormônio de crescimento, além de causar prejuízos ao sistema imunológico.

Atividades extracurriculares

O estudo, que faz parte de um projeto maior sobre trabalho de adolescentes e saúde, coordenado pela bióloga Frida Marina Fischer, professora do Departamento de Saúde Ambiental da FSP, procurou investigar também a rotina diária dos estudantes. Segundo a pesquisa, há trabalhadores que tentam repor nos fins de semana o sono perdido, o que é impossível. Há também o prejuízo na participação em atividades extracurriculares, como cursos de idiomas ou de computação.

Os estudantes trabalhadores chegam em casa mais cedo nos fins de semana do que os seus colegas não-trabalhadores, comportamento que possivelmente reflete a necessidade de repor débitos acumulados de sono. Provavelmente há repercussões nesta rotina, que podem afetar a vida social dos estudantes trabalhadores.

Além disso, os alunos trabalhadores gastam cerca de uma hora a mais por dia com transporte. ‘A grande cobrança que é feita destes adolescentes é que ele se dedique ao trabalho. Ele acaba ‘trocando’ a escola pelo trabalho’, afirma Liliane. ‘O jovem que não trabalha freqüenta as aulas, em média, trinta minutos a mais por dia’.

A bióloga chegou a elaborar algumas sugestões para que os jovens com dupla jornada não sejam tão prejudicados. ‘O ideal é que eles trabalhem meio período. Isso geraria um aumento de postos de trabalho e, no futuro, fariam parte de uma mão-de-obra mais qualificada’, diz. A incorporação de algumas atividades extracurriculares à grade e o aumento de um ano no ciclo do ensino médio noturno são outras sugestões do estudo.

Os resultados desta pesquisa foram recentemente apresentados no congresso promovido pela Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt) em maio deste ano, realizado em Goiânia. Foi também submetido um artigo sobre o tema para publicação no periódico Chronobiology International. Este estudo foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ).

André Benevides – Agência USP