Serra discursa durante homenagem ao rabino Henry Sobel

Governador: Queria dar o meu boa noite a todos e a todas. Cumprimentar o nosso homenageado e a Amanda, sua mulher. Queria saudar o ministro Nelson Jobim e a Adrienne. […]

ter, 31/03/2009 - 23h00 | Do Portal do Governo

Governador: Queria dar o meu boa noite a todos e a todas. Cumprimentar o nosso homenageado e a Amanda, sua mulher. Queria saudar o ministro Nelson Jobim e a Adrienne. O Goldman, que deve estar aqui – ou não? – nosso vice-governador. Gilberto Kassab, prefeito da cidade de São Paulo. Geraldo Alckmin, ex-governador e secretário de Desenvolvimento (aplausos). Queria cumprimentar também José Henrique Reis Lobo, nosso secretário de Relações Institucionais e, ultimamente, cronista, comentador da TV Cultura; o embaixador Celso Lafer, presidente da Fapesp, ex-ministro, nosso amigo tão próximo; o Jack Terpins, presidente do Congresso Judaico Latino-Americano; o Walter Feldman, deputado federal e secretário do município e a todos e a todas, especialmente os familiares e amigos do homenageado.

Como já foi dito, Sobel nasceu em Portugal, filho de pai polonês e mãe belga. Cresceu nos Estados Unidos e veio para o Brasil. Da sua passagem pelos Estados Unidos, evidentemente, como todos sabem, ele trouxe uma marca que jamais o abandonaria: o sotaque com que fala a nossa língua. Um sotaque inconfundível. Eu estava no exílio, durante os anos 70 – fiquei 14 anos fora e estava fora no episódio da morte do Vladmir Herzog e da missa na catedral – mas, pelo noticiário, acompanhei o que aconteceu e tive enorme curiosidade de conhecer o Sobel pessoalmente. Ficava imaginando como é que era. E, quando eu o conheci pessoalmente, percebi o sotaque – e percebi também que a língua falada vem menos da boca, vem mais do coração, vem da consciência e vem também da capacidade de pregador que ele tem.

O Sobel, na minha opinião, pelo menos na minha visão pessoal, é o melhor pregador que eu já conheci em qualquer religião. Eu nunca vi ninguém pregar tão bem quanto ele. Um risco, porque várias vezes me balançou para me converter ao judaísmo… É, uma vez, assim que ele fez uma pregação, de improviso… Era algo assim: “O que significa ser judeu?”. Foi a melhor pregação que eu já ouvi na minha vida, a respeito. E daí deu essa vontade, que eu tratei de reprimir em seguida, porque nessa altura da vida não dá mais para fazer mudanças dessa natureza.
Conheci… creio que nos tornamos amigos próximos. Aprendi com ele uma outra… ou melhor, revivi com ele uma outra característica, que vem de família – porque eu sou de família calabresa, totalmente. Meu pai veio direto da Calábria, e os calabreses têm mania de beijar no rosto. Mas isso eu já tinha esquecido, depois de tantos anos fora – e revivi plenamente com o Sobel, com uns beijos (risos da platéia)…. Eu tive que me reacostumar a esse tipo de relação de amizade. Mas, como eu dizia… e ele, com todo seu talento de pregador, foi fiel a um ensinamento que ainda em Nova York lhe deu um de seus professores do rabinato: “O judaísmo exige que você siga as determinações da sua consciência. O resto, deixe nas mãos de Deus”.

E foi pelas mãos de Deus, certamente, que ele veio conhecer São Paulo. E que decidiu, então, ficar, fazendo a travessia para a nossa cidade. Quando da mudança definitiva, ele cometeu, na minha opinião, apenas uma falha – porque logo na primeira entrevista que concedeu, distraído, declarou-se corintiano (risos da platéia), que é o mesmo time do Dan (Stulbach, ator)… Mas eu não sei por que o Dan fica todo vaidoso… porque, depois, estimulado por amigos próximos, tornou-se são-paulino (aplausos), esquecendo-se, porém, de outros times cujas cores têm mais a ver com a paisagem brasileira. Mas, enfim, quem, por ser humano, não comete equívocos na vida?

O que interessa é que ele logo se aclimatou. Sem deixar de ser judeu, passou a ser também brasileiro. Como disse o Jobim, um brasileiro judeu. Por isso, quando está fora do Brasil – isto ele mesmo confessou – sente aquela espécie de banzo, que o Tom Jobim dizia: “Faz a gente inventar a falta de qualquer coisa para ter saudade, da laranja lima ao sabiá, para querer voltar”. Mas banzo, na verdade, não combina com o rabino Sobel. Ele é filho de um estudioso, de um talmid chacham… Eu perguntei para ele agora como se pronunciava. Hassídico, um hassídico.
Aprendeu com os pais que o judaísmo deve ser alegre, que o judaísmo é otimismo. Daí, talvez, ele ter escolhido o Rei Davi como seu herói preferido. Porque Davi, com música, cânticos e danças, conduziu a arca da aliança para Jerusalém. E quando Davi foi criticado por sua própria mulher, respondeu: “Se eu estava dançando, era perante Deus, que me elegeu rei. E continuarei a dançar e a sentir-me feliz na presença de Deus”.

Mas há momentos em que, mais do que alegria e otimismo, é importante a coragem. E foi assim em 1975, no episódio a que todos aqui fizeram menção. Eu tenho daquele período a citação do que ele disse na cerimônia ecumênica em honra de Vladimir Herzog. Disse: “Sou um rabino. Estou aqui,porque um judeu morreu. Porém, mais importante ainda, estou aqui nesta catedral porque um homem morreu. E como rabino, não defendo apenas os direitos dos judeus, mas, sim, os direitos fundamentais de todos os seres humanos, de todos os credos, de todas as raças, vivam eles no Brasil ou em qualquer país do mundo”.

Como diria o Churchill: Sobel, foi “your finest moment”, foi o seu melhor momento. Saindo do templo, ele foi direto à CIP oficiar um serviço religioso – e iniciou sua prédica dizendo: “Hoje saio direto de uma catedral para uma sinagoga”. Começava, assim, uma cooperação que resultou na criação das condições de fraternidade católico-judaica e na elaboração do guia para o diálogo católico-judaico no Brasil. Aliás, em 1994, ele e Dom Ivo Lorscheider, na época presidente da CNBB, entregaram pessoalmente esse guia ao primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin. Disse então ele, exagerando: “Não sei falar português (fala e fala muito bem). Mas conheço bem as palavras diálogo, judaico, católico e imagino a importância deste documento.”

Enfim, citei aqui, muito brevemente, apenas exemplos do comprometimento do Henry Sobel com os direitos humanos, com a democracia, com a defesa da dignidade das pessoas e da paz. Por isso mesmo, me parecem injustas questões que ele próprio colocou a si mesmo, indagando: “Será que ainda sou necessário? Será que a minha quipá cor de vinho ainda tem lugar no Brasil? Será que a comunidade judaica e a sociedade brasileira me enxergam como alguém que pode colaborar para o avanço da tolerância entre as religiões e a defesa dos direitos humanos?”

A resposta a essa indagação que ele se fez está aqui mesmo, nesta sala (aplausos). São… não sei números… centenas de pessoas reafirmando o respeito ao seu trabalho, admiração à sua pessoa e agradecimento aos seus atos. O Brasil, eu quero dizer, se orgulha de ser a pátria do judaísmo nas Américas. Pela instalação em Recife, no século XVII, da primeira comunidade judaica e da primeira sinagoga do continente, a sinagoga Tzur Israel, o Rochedo de Israel. E se orgulha também, na outra ponta da nossa história, de contar com rabinos como Henry Sobel, que nos aproximaram – e muito – a todos os brasileiros de todos os credos. A fraternidade entre eles, a fraternidade entre os judeus e não-judeus, o conhecimento recíproco e o respeito. Parabéns, Sobel, e muito obrigado em nome de São Paulo!